Byung-Chul Han: você ainda vai ouvir falar dele
Autor de “Sociedade do Cansaço”, filósofo coreano lança boas provocações sobre o nosso tempo
De vez em quando aparecem pensadores que sacodem a nossa percepção da realidade. São pessoas que vão além do óbvio e arriscam uma análise sobre o comportamento coletivo no nosso tempo. Alain de Botton, Domenico De Masi, Yuval Noah Harari, Zygmunt Bauman são alguns dos intelectuais que, nas últimas décadas, ultrapassaram a barreira das estantes das livrarias e viraram assunto em rodas de conversas.
Neste 2020 tão atípico, começamos a ouvir, aqui e ali, pessoas citando – não sem alguma dificuldade – o filósofo Byung-Chul Han. A despeito do nome de difícil pronunciação para nós, o coreano que reside na Alemanha, professor na Universidade de Berlim, discípulo de Michel Foucalut e crítico do neoliberalismo vai ganhando terreno – e leitores – no Brasil.
Logo na primeira página do livro com o sugestivo título “Sociedade do Cansaço” (Editora Vozes), Byung lança uma provocação instigante, que chamou minha atenção e reproduzo aqui: “Cada época possuiu suas enfermidades fundamentais. Desse modo, temos uma época bacteriológica, que chegou ao seu fim com a descoberta dos antibióticos. Apesar do medo imenso que temos hoje de uma pandemia gripal, não vivemos numa época viral. Graças à técnica imunológica, já deixamos para trás essa época.” E a partir daí, o autor dá a largada nos conceitos que permeiam sua obra: a positividade e negatividade como definidores do nosso estado psicológico coletivo.
Detalhe saboroso: o texto data de 2010, portanto bem antes da atual pandemia viral. A respeito disso, ele escreveu para o “El País”, logo no começo da pandemia: “Há exatamente dez anos afirmei em meu ensaio “Sociedade do Cansaço” a tese de que vivemos em uma época em que o paradigma imunológico perdeu sua vigência. Como nos tempos da Guerra Fria, a sociedade organizada imunologicamente se caracteriza por viver cercada de fronteiras e de cercas, que impedem a circulação acelerada de mercadorias e de capital. A globalização suprime todos esses limites imunitários para dar caminho livre ao capital. Os perigos não espreitam hoje da negatividade do inimigo, e sim do excesso de positividade, que se expressa como excesso de rendimento, excesso de produção e excesso de comunicação. Na sociedade do rendimento se guerreia sobretudo contra si mesmo”, explica o autor.
E o que Byung-Chul Han tem a dizer agora, em 2020, às sociedades abaladas por uma pandemia global? “Em meio a essa sociedade tão enfraquecida imunologicamente pelo capitalismo global o vírus irrompe de supetão. Em pânico, voltamos a erguer limites imunológicos e fechar fronteiras. O inimigo voltou. Já não guerreamos contra nós mesmos. E sim contra o inimigo invisível que vem de fora”, definiu para o El País.
O autor arrisca que há outro motivo para o pânico causado pela pandemia: a digitalização. “A digitalização elimina a realidade, a realidade é experimentada graças à resistência que oferece, e que também pode ser dolorosa. A digitalização, toda a cultura do “like”, suprime a negatividade. E na época das fake news e dos deepfakes surge uma apatia à realidade. Dessa forma, aqui é um vírus real e não um vírus de computador, e que causa uma comoção. A realidade, a resistência, volta a se fazer notar no formato de um vírus inimigo. A violenta e exagerada reação de pânico ao vírus se explica em função dessa comoção pela realidade”.
Ainda na primeira página do livro “Sociedade do Cansaço”, Byung continua: “Visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção (TDAH), transtorno de personalidade limítrofe ou a Síndrome de Burnout determinam a paisagem patológica do começo do século XXI”. O trecho é especialmente interessante se pensarmos na discrepância entre estarmos lutando contra o nosso atual vírus inimigo – Sars-Cov-2 – enquanto nosso maior inimigo à médio e longo prazos é a implosão do nosso próprio funcionamento psíquico exaurido de tanto se defender.
Byung-Chul Han, anotem esse nome. Ainda ouviremos falar muito nele e em suas provocações instigantes sobre o nosso tempo, nossa sociedade e nossa saúde mental.
Elizabeth Carneiro é psicóloga supervisora do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa do Rio, especialista em Psicoterapia Breve e Terapia Familiar Sistêmica, diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química e treinadora oficial pela Universidade do Novo México em Entrevista Motivacional.