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Vale-tudo

Volta e meia me perguntam se esses encontros no Café Severino, que tantas vezes reproduzo aqui, existem mesmo ou são inventados. Numa dessas tardes de outono, a cena se repetiu, mas dessa vez no próprio café, àquela hora quase deserto. Uma senhora, uma bela mulher, vale dizer, depois de varrer com os olhos toda a […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h33 - Publicado em 15 abr 2016, 21h50
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    Volta e meia me perguntam se esses encontros no Café Severino, que tantas vezes reproduzo aqui, existem mesmo ou são inventados. Numa dessas tardes de outono, a cena se repetiu, mas dessa vez no próprio café, àquela hora quase deserto. Uma senhora, uma bela mulher, vale dizer, depois de varrer com os olhos toda a sala, caminhou até a minha mesa e me perguntou, sem rodeios:

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    — Ah, então o senhor vem mesmo aqui todos os dias?

    — Não todos. Nem sempre venho aos domingos.

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    — Interessante. Pensei que o seu Café Severino fosse um cenário, que só existisse nas suas crônicas.

    Não estranhei, se querem saber. Algumas pessoas aparecem mesmo por lá com a intenção de checar a existência do lugar. Como ela continuasse a inspeção e me olhasse com curiosidade, fiz o que manda a boa educação: ofereci uma cadeira, que ela aceitou prontamente.

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    — Que horas começa?

    Eu ri, claro.

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    — A senhora está achando que o que fazemos aqui é parte de um reality show?

    — Mais ou menos isso.

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    Eu resolvi manter a conversa. Pensei que, quando alguns amigos começassem a chegar, ela ia se tocar.

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    — Não tem hora nem para começar, nem para terminar. Nem dia certo, nem sempre de dia, nem sempre de noite. E não se combina nada. São encontros voluntários, de velhos amigos velhos, que se reúnem informalmente e jogam conversa fora.

    — Sem pauta?

    — Isso mesmo. Vale qualquer assunto.

    — Um vale-tudo!

    — Exatamente.

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    — Me diga uma coisa: hoje vai ter reunião?

    Eu não estava acreditando naquela cena.

    — É que eu quero pedir ao senhor que me deixe participar.

    A partir dessa pergunta, minha cordialidade passou a ser uma missão humanitária.

    — Quando chegarem — se chegarem! —, eu pergunto, e, se concordarem, a senhora será nossa convidada.

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    E como ninguém chegava, ela ia ficando desapontada, decepcionada mesmo, o que me afligia.

    — Posso também fazer uma pergunta?

    — Claro.

    — Qual a razão do seu interesse?

    — É simples.

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    E me disse então que, cada vez que lia a crônica na Vejinha, ficava surpresa com o fato de esses encontros com os amigos se realizarem durante a tarde e se prolongarem às vezes por duas, três horas. E indo para o desfecho:

    — Desculpe a franqueza, se não quiser responder, tudo bem, mas… me diga: nenhum amigo seu trabalha?

    ***

    Felizmente, uma tempestade começava a ameaçar o fim de tarde. E felizmente também não apareceu ninguém. Fingi não ter ouvido a pergunta e emendei.

    — Só não lhe ofereço uma carona porque moro na próxima rua e vou andando.

    — Fique à vontade, eu vou esperar o meu marido, que ficou de me pegar.

    E ao se despedir:

    — Meu nome é Tereza. E vou aparecer sempre, até conseguir participar de uma dessas reuniões que o senhor faz com os seus amigos.

    — Claro, claro!

    E saí andando, quase correndo e sendo atropelado por uma bicicleta.

    No caminho, vi dois meninos atracados numa briga de moleques. Lembrei do vale-tudo com que ela batizou as nossas reuniões no Severino. E também das brigas de rua da adolescência.

    — Vamos começar. Vale tudo, heim?

    E invariavelmente o outro dizia:

    — Menos xingar a mãe!

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