Tínhamos uma vizinha de bairro, dona Alzira, que apanhava muito do marido. Às vezes gritava tanto que os vizinhos socorriam. Quando o marido morreu, depois de um período de luto e recolhimento dona Alzira reapareceu, suspirando. Minha mãe argumentou com certa impaciência:
— Bem, Alzira, imagino que você esteja sofrendo, mas… pense bem. Agora, pelo menos, você não apanha mais!
E ouvimos dona Alzira suspirar e dizer, as lágrimas reaparecendo:
— Sabe de uma coisa? A saudade está doendo mais do que as surras que eu levava.
***
Começo de um novo ano, assuntos esgotados: Natal, réveillon, votos gerais de boas festas. Enfim, os bordões habituais a essa época. Palavras de esperança, sempre ela, essa dama que nos atrai e nos repele, nos acarinha e nos maltrata, e que está sempre presente nos lábios, nos olhos e no coração de todos, mesmo aqueles que se declaram desesperançados.
— Principalmente esses — afirmou alguém.
E o assunto seguiu, sem que nenhum de nós tivesse ânimo de mudar o rumo da conversa.
— Repetindo vagamente um texto de Machado de Assis, perder a esperança não é perder, inevitavelmente, o desejo. Esse pode ser preservado.
Nesse momento, nossa querida Carla perguntou à queima-roupa: de que adianta conservar o desejo sem esperança? E por que manter a esperança se o desejo já se foi?
Alguém protestou:
— Calma. Nada de começar o ano num clima deprê! Vamos achar que 2017 será melhor que 2016.
— E vamos acreditar também que Papai Noel existe.
— Ué, e ele não existe?
— O que sei é que aprendemos muito com a realidade.
— Aprendemos mais com a ficção.
— Pronto, lá vem você com suas frases de efeito.
E com isso começava uma discussão que só serenava quando abríamos outra garrafa de um branco servido muito frio, quase gelado, e que descia pela garganta como fios de seda.
***
Gostamos desse papo de café. Cortar a continuidade dos temas abordados com outros temas que logo serão substituídos, numa ronda sem fim. Assuntos variados e sem roteiro.
— Palavras, palavras, palavras… como dizia o pobre Hamlet.
— Pobre ou nobre?
— Pobre e nobre!
— Era sobre isso que falávamos no Café Severino.
— Sobre isso o quê?
— Sobre coisa nenhuma.
— Ah, bom.
Ah, muitas eram as tardes de verão que perdíamos nessas divagações sem fim.
— Perdíamos? Acho que ganhávamos.
— É, pode ser.
— Isso está parecendo conversa de bêbado.
— Ou de louco.
Estou me lembrando da reflexão de Chesterton sobre os dementes: o louco é aquele que perdeu tudo, menos o juízo.
— É, pode ser…
— É só isso que você vai dizer hoje?
— Por que não?