Henrique, um amigo de São Paulo, remanescente de uma geração, como eu mesmo, leu a última crônica e me escreveu algumas linhas sobre o Horácio, nosso amigo comum daqueles velhos tempos, aqui lembrado na ocasião.
Henrique não sabia da morte do nosso amigo e exclamou com um certo espanto:
— Nossa, tão moço!
Eu falei que não era bem assim. Que Horácio, afinal, tinha 81 anos, uma idade em que não se pode chamar a pessoa de jovem, ainda que ela seja jovial.
Henrique insistiu:
— Mas, se ele era velho, o que somos nós, você e eu, que já vamos para os 85 anos?
— Ei, calma! Eu estou indo para 84. Você, sim, vai fazer 85.
— Pois então. Já temos dois anos de vantagem sobre ele. Por quê?
Tive de sorrir com essa demonstração de carinho pelo nosso amigo desaparecido, pois era uma maneira bonita de desejar que Horácio estivesse vivo, ainda mais por ter menos idade que nós.
— Um ano a mais, um ano a menos…
— Vocês se viam sempre no decorrer desses 65 anos em que nos conhecemos?
Fiz essa pergunta certo de que ele responderia afirmativamente, já que se mostrou muito abalado com a notícia. Como se tivesse perdido um amigo de todas as horas, frequente, indispensável ao seu cotidiano.
— Não — ele me disse. — Não nos víamos fazia mais de trinta anos!
E completou:
— Olha, eu me lembro que a última vez que estive com ele foi no casamento do Alexandre, aquele nosso colega de internato que repetiu cinco vezes a 2a série, lembra?
Não pude deixar de rir, o que levou Henrique a fazer o mesmo. Era eu que exclamava agora:
— Você também lembra de cada coisa!
— Ver não é importante. E nem frequentemente nos leva à lembrança de fatos felizes.
— Ah, mas ajuda.
— Às vezes, não. Lembrar é que é fundamental em qualquer relação, seja de amor, seja de amizade. E seja mesmo de ódio
(e fez o sinal da cruz).
Fui em cima:
— Não sabia que você era religioso. E que fazia o sinal da cruz.
— Procuro me garantir.
E cortando, com entusiasmo:
— Tive uma ideia. Vamos fazer juntos uma comemoração dos nossos 85 anos.
— Vou fazer 84 — repeti mais uma vez.
E Henrique, sem mudar o tom:
— Sabe o que acontece quando reencontro amigos dos velhos tempos? Volto para casa e comento com minha mulher: “Estive com fulano, meu amigo da adolescência. Está acabado, movimentando-se numa cadeira de rodas, empurrado por uma babá de velhos. Será que eu estou igual a ele?”.
E, por mais que eu queira, não acredito quando minha mulher diz:
— Mas você não tem a idade que aparenta! Quando eu falo a alguém que você vai fazer 85 anos…
— 84!
— Ah, é a mesma coisa.
Fico pensando se isso é verdade: se 84 é igual a 85.
E sinto e sei que não é.