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Sem mistério

  — O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível — declarou o Raul, garantindo ser de Oscar Wilde essa afirmação. — Uma frase banal. Nem parece dele — declarou o Serjão. — Está em O Retrato de Dorian Gray ­— insistiu o Raul. — Dorian Gay ­— aparteou o Aléssio, achando-se […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 18h51 - Publicado em 6 dez 2013, 21h49
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    — O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível — declarou o Raul, garantindo ser de Oscar Wilde essa afirmação.

    — Uma frase banal. Nem parece dele — declarou o Serjão.

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    — Está em O Retrato de Dorian Gray ­— insistiu o Raul.

    — Dorian Gay ­— aparteou o Aléssio, achando-se muito espirituoso, mas dando, na verdade, uma demonstração da sua conhecida homofobia.

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    Silvana foi para cima do marido:

    — Você me dá vergonha.

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    — Êêê, não posso brincar, não?

    — Vamos deixar o Raul terminar o que estava falando?

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    E a tarde voltou à calma, sem impedir que o casal trocasse um olhar de irritação, confirmando o que já vínhamos registrando: o casamento deles estava fazendo água, ameaçando afundar.

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    O Raul retomou o assunto:

    — É que eu estava pensando na sua última crônica, a da mãe que apareceu para a filha na maternidade, como se fosse uma enfermeira.

    — Adorei — disse a Carla —, mas me deu medo. Eu não gostaria de ver nenhuma pessoa que já tivesse morrido, por mais querida que ela fosse.

    — Pois eu ia amar — garantiu a Silvana.

    — Vai, Raul, continua.

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    — Tenho uma história que se parece com a que você contou na crônica. Aconteceu comigo e eu nunca contei a ninguém.

    Fez uma pausa, olhou-nos com seriedade e continuou:

    — Eu tinha 12 anos. Minha avó, mãe da minha mãe, morava com a gente. Era ela que me acordava todas as manhãs, por volta das 6 horas. Dizia: “Vamos, preguiçoso, levanta. Não pode perder a primeira aula, de matemática. Você anda mal na matéria e, se não melhorar, vai ser reprovado no fim do ano”. E lá ia eu, resmungando, me arrastando, tropeçando nas coisas, morrendo de sono.

    — Já estou ficando nervosa — interrompeu a Carla.

    — Foi aí, numa certa manhã de abril, que a minha linda avó não me acordou. A razão era simples: ela também dormia. Só que para sempre. Naquele dia eu perdi a primeira aula. A de matemática.

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    Tomamos um gole do vinho branco.

    — Numa nova manhã, no fim daquele mesmo ano, já então com o despertador substituindo a minha avó, eu vi quando ela entrou no meu quarto, aproximou-se sorrindo e sussurrou no meu ouvido: “Vamos, preguiçoso, levanta. Vai chegar atrasado à escola e perder a prova de matemática”. Só aí me dei conta de que não era apenas uma primeira aula. Era a prova de fim de ano! Tremi, apavorado. “Não tenha medo. Vou estar perto de você. Confia.” Saltei da cama, tomei um banho, engoli o meu café e cheguei à escola pontualmente.

    — E foi reprovado, claro — falou rindo o Aléssio.

    — Não. Passei. E com boa média. Mas devo confessar que os dois últimos problemas da prova, os mais difíceis, só acertei porque a minha avó soprou os resultados no meu ouvido.

    — Ah, não acredito nisso de jeito nenhum — aparteou mais uma vez o chato do Aléssio.

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    Silvana, emocionada com a história, mandou ver:

    — Cala a boca, cara!

    — Ah, qual é? Tenho de acreditar que isso é verdade?

    E o Raul, já se levantando:

    — Comecei com Oscar Wilde e fecho com Machado de Assis: “A verdade pode ser às vezes inverossímil”.

    E saiu do Severino para ir ao dentista, onde tinha hora marcada.

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