Manoel Carlos Por Blog Blog do novelista Manoel Carlos
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Minha turma

Fiz muitos papéis na televisão, de 1951 a 1959, antes, portanto, da chegada do videoteipe ao Brasil. Além do trabalho de ator, escrevia originais e fazia adaptações de romances e contos para os teleteatros. Ao mesmo tempo e no mesmo período, representava. Primeiro, de forma amadora, depois profissional. E foi no teatro e na biblioteca […]

Por admin
Atualizado em 25 fev 2017, 19h40 - Publicado em 11 jun 2011, 23h21
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    Fiz muitos papéis na televisão, de 1951 a 1959, antes, portanto, da chegada do videoteipe ao Brasil. Além do trabalho de ator, escrevia originais e fazia adaptações de romances e contos para os teleteatros. Ao mesmo tempo e no mesmo período, representava. Primeiro, de forma amadora, depois profissional. E foi no teatro e na biblioteca pública de São Paulo que conheci alguns dos meus melhores amigos até hoje, vivendo com eles uma relação só possível na época de ouro da nossa juventude, quando escrevíamos cartas uns aos outros, à mão, claro, e num tempo que comunicar-se por telefone só era tolerado diante de uma emergência. O livro comprado por um de nós, passava de mão em mão, até voltar ao dono. Éramos sócios da biblioteca circulante e frequentávamos a biblioteca e a discoteca públicas, pois o dinheiro era curto e víamos como egoísmo de gente rica colecionar livros e discos fechados em estantes.

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    Mesmo enfrentando muitas dificuldades, éramos alegres e felizes. Varávamos noites, sem fome e sem sono, conversando e debatendo temas transcendentais, com a pretensão e a empáfia próprias da juventude.

    —Você tem que decidir: ou é Sartre ou é Camus.

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    Vejam como éramos metidos. Hoje até rimos de uma provocação dessas, mas nos anos 50, nas madrugadas frias de São Paulo, decidir-se por Sartre ou Camus era importante, e não apenas uma preferência entre uma xícara de chá e outra de café. Era uma tomada de posição: filosófica, política, religiosa. E tamanha complexidade gerava longas discussões. Mas não havia intelectualismo. Ao contrário: éramos só emoção, ansiedade e fúria de viver.

    Quando o tema era poesia brasileira, a escolha era mais difícil:

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    —Bandeira ou Drummond?

    E aí, quando alguém lembrava de um terceiro nome, como o de Jorge de Lima, por exemplo, eliminava-se o impasse bruscamente:

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    —Ah, Jorge de Lima é outra coisa. Não dá para comparar com ninguém.

    E diante dos filmes musicais, como decidir?

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    —Fred Astaire ou Gene Kelly?

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    Que boa turma a nossa!

    A exceção de Bento Prado Jr., Hélio Leite de Barros e Roberto Schwarz, que entraram na universidade, todos nós éramos autodidatas. Fazíamos cursos, hoje conhecidos como seminários. De literatura e de cinema, principalmente. Era um tempo em que as conferências eram comuns. Escritores importantes, como Érico Veríssimo, por exemplo, apareciam muitas vezes em São Paulo, para palestras. Eram frequentes também as presenças de Oswald de Andrade, Sérgio Milliet, Agripino Griecco, Cassiano Ricardo, Cecília Meirelles, Guilherme de Almeida… E quando chegavam escritores estrangeiros, também eles nos arrastavam para o que era chamado de encontros de literatura e arte. Assistimos juntos, por exemplo, na União Cultural Brasil-Estados Unidos, a uma interminável e cambaleante conferência de William Faulkner. O cheiro de uísque chegava à primeira fila, onde todos nós estávamos. Quando saímos de lá, quase embriagados também, ficamos até 4 horas da manhã divididos entre Faulkner e Hemingway. Tão díspares!

    Com muitos desses amigos vivi o esplendor de grandes descobertas e inesquecíveis momentos de beleza e emoção. Fomos figurantes nos espetáculos do Teatro Municipal de São Paulo. Acreditem: na ópera Othelo, de Verdi, aparecemos ao lado de ninguém mais, ninguém menos do que Mario Del Monaco. E da mesma maneira, com justificado orgulho, estivemos em cima de um palco, a pouca distância de Vittorio Gassman, em Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello. Fomos assim, eu e alguns amigos, testemunhas próximas do trabalho desses dois grandes artistas, entre tantos a que assistimos. Como esquecer todos esses momentos, se eles já nasceram inesquecíveis?

    Muitas vezes, são as lembranças que fazem uma vida ter valido a pena ser vivida. Nem mesmo é necessário que sejam lembranças completas, de largos períodos, mas flashs, fatias, faíscas, lascas de tempo vividos ao lado de amizades generosas.
    Outro dia, vendo no telejornal, imagens do Teatro Municipal de São Paulo, que está sendo reaberto após uma reforma geral, essa época e esses amigos fizeram-se ainda mais presentes, o que me levou a escrever esta crônica. Voltamos a nos encontrar no plano da memória, e a andar pelas ruas de São Paulo, rindo e sonhando, como aos 16, 17, 18 anos. E é tão bom e mágico lembrar, que a turma toda apareceu. E fomos, mais uma vez, jovens. Mais uma vez, sonhadores, mais uma vez felizes para sempre.

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