Manoel Carlos: “Pode-se viver sem amar?”
Na crônica de Manoel Carlos da semana, a parte final da história de amor entre uma estudante e um criminoso
Começar uma história não é fácil…
— Nem terminar — emendou meu amigo Raul, a quem eu contava minha pequena crônica de menos de 3 000 palavras, que eu estava prestes a enviar para a redação da VEJA RIO.
Concordei com ele e prossegui:
— Principalmente uma história de amor.
— Ah, dessa experiência eu consegui passar longe.
— Você nunca acabou uma história de amor?
— Acredite. Nunca. E sabe por quê? Porque nunca comecei.
Essas últimas palavras me incomodam e assustam. Então, pode-se viver sem amar? Sem ser amado? Conheço pessoas que acham que sim.
Algumas até declaram que amar é complicado demais. E que o amor só é bom depois que acaba. Suspiram: “Ah, como era bom!”. A saudade de um grande amor é que faz esse amor ser inesquecível.
Conheci um rapaz que se apaixonou pela ideia de se apaixonar. Isso mesmo.
Sonhava com uma grande paixão, aquela que poderia enlouquecê-lo. Ia ao cinema, lia romances, procurando, sempre procurando avistar a flecha de Cupido que lhe fosse destinada. E abria a janela, apagava as luzes e aguardava noite após noite. Diante das estrelas. Tão fácil, pensava ele. Morreu sozinho, olhando o céu vazio.
Foi nesse momento que minha amiga Isabel apareceu onde estávamos e me disse em voz baixa:
— Vem comigo. O Kiko está dando um show!
— Como dando um show? O rapaz é um cantor, um artista?
Isabel não respondeu, mas me empurrou sala adentro, onde estavam reunidas não mais que dez pessoas, em profundo silêncio, olhos atentos, presos ao tal do Kiko, o namoradinho criminoso da filha da minha amiga. Ele fazia desaparecer objetos grandes diante dos nossos olhos sem que conseguíssemos ver — nem sequer suspeitar — como esse truque se operava assim, à luz de uma plateia atenta e nada ingênua.
Identifiquei minha mulher entre os presentes. E não foi só isso.
Durante o longo jantar, vimos colheres que se entortavam, uma faca que cortava em duas partes o dedo de uma senhora que acabou desmaiando diante da sangria que logo se regenerou, levando a elegante senhora a desmaiar mais uma vez, o que a obrigou a uma nova ressurreição.
Enfim: nem no teatro, nem no cinema, nem nos palcos mais milagrosos da Broadway vi coisas assim, tão inexplicáveis!
E tudo ali, diante de todos nós, desafiando a compreensão e o entendimento. Então era isso? O jovem sedutor era um ilusionista? Um mágico de quermesse?