Horário nobre
Alguns anos atrás, considerava-se nobre na televisão o horário que começava às 19 e se estendia até as 22 horas. Hoje, todos sabem, esse tempo é medido das 18 horas à meia-noite. É quando o espaço comercial é mais caro e, consequentemente, os programas considerados mais importantes são apresentados. É também onde se encontra o […]
Alguns anos atrás, considerava-se nobre na televisão o horário que começava às 19 e se estendia até as 22 horas. Hoje, todos sabem, esse tempo é medido das 18 horas à meia-noite. É quando o espaço comercial é mais caro e, consequentemente, os programas considerados mais importantes são apresentados. É também onde se encontra o nicho que abriga a teledramaturgia, principalmente as novelas e, no caso da TV Globo, o Jornal Nacional. A classificação é absolutamente comercial, já que o Programa do Jô, que às vezes entra depois da meia-noite, faz dessa hora tardia uma hora nobre. Assim também o Altas Horas, do Serginho Groisman, e as entrevistas da Marília Gabriela, para citar mais dois exemplos, entre os poucos casos que podem ser lembrados. E, ampliando a classificação para as emissoras a cabo, vamos encontrar o Estúdio I, da Maria Beltrão, e o Sarau, do Chico Pinheiro. Dois programas imperdíveis, apresentados na Globo News.
Era esse — o do horário chamado nobre na TV — o assunto abordado naquela tarde, no Café Severino, enquanto degustávamos um bom tinto californiano que o Raul trouxera de casa. E, a cada gole que bebíamos, ele perguntava com ansiedade:
— Não é mesmo maravilhoso? Safra 2007, a melhor dos últimos vinte anos!
E tínhamos de concordar com ele, já que o precioso líquido descia pela garganta como uma fita rubra de veludo.
Ah, como são bons esses encontros de amigos, em que todos se manifestam sem egoísmo, dando e recebendo informações que enriquecem generosamente a relação de amizade, diria mesmo de amor! E essa exclamação de alegria quase juvenil me leva novamente a mencionar o Estúdio I, com sua pauta variada, na qual convivem, democraticamente, esporte, saúde, economia, literatura, tecnologia, cultura, comportamento… Tudo passa por ali, despretensiosamente, como em nossos encontros no Café Severino. Só não temos, entre nós, uma Flávia de Oliveira, um João Paulo Cuenca e um Artur Xexéo, para citar apenas três entre os muitos nomes estrelados do programa da Maria Beltrão. Mas no Severino, como no Estúdio I, todos ensinam, todos aprendem, sem que ninguém tenha a pretensão de saber mais do que o seu parceiro de roda.
Da mesma maneira, o tema me levou ao Sarau, no qual Chico Pinheiro faz um trabalho que emissora nenhuma de televisão está fazendo: o de exibir o talento, a força, a vitalidade permanente da música brasileira. Vejo o programa duas vezes, pois não perco as reprises.
Bato palmas para os dois: Maria e Chico, que reinam, gloriosos, com seus programas, fazendo da hora em que se apresentam dois exemplos do verdadeiro horário nobre da televisão. Só levamos uma vantagem sobre eles: a degustação de bons vinhos durante nossos encontros.
Já no finzinho da tarde, a garrafa vazia e os primeiros frequentadores da noite chegando, o Raul fazia graça com o tema da reunião:
– Fora da TV, o exemplo também pode ser aplicado. Querem encontros mais nobres do que esses que fazemos durante a tarde?
Falar sobre televisão não está entre meus assuntos favoritos, ainda que eu viva de escrever e dirigir programas há mais de meio século. Talvez porque no Brasil a TV seja um tema dominante, que excede. Não apenas nas conversas familiares, e nem restrita às colunas especializadas, aos cadernos de entretenimento. Não. A TV reina em toda a mídia. Pode até ser bom para nós, que trabalhamos nessa área e vemos assim a valorização do nosso ofício, mas e o leitor de jornais e revistas? Não é empobrecedor, sem nobreza, encontrar numa primeira página de jornal a informação de que uma atriz trocou de namorado? E, na mesma semana, ver estampada nas revistas essa mesma notícia, com a foto da atriz na capa? Muitas vezes, a mesma foto?