Fênix
Entre tudo o que se escreveu sobre mitologia, nada supera para mim uma definição de Salústio, grande nome da literatura latina, que viveu quase 100 anos antes de Cristo: “Essas coisas não aconteceram nunca, mas existiram sempre”. Essa frase aparece como epígrafe no livro As Núpcias de Cadmo e Harmonia, de Roberto Calasso, que a […]
Entre tudo o que se escreveu sobre mitologia, nada supera para mim uma definição de Salústio, grande nome da literatura latina, que viveu quase 100 anos antes de Cristo: “Essas coisas não aconteceram nunca, mas existiram sempre”. Essa frase aparece como epígrafe no livro As Núpcias de Cadmo e Harmonia, de Roberto Calasso, que a Companhia das Letras publicou há mais de dez anos, em tradução de Nilson Moulin Louzada.
No Google podem ser encontradas muitas reflexões geniais que o poeta romano deixou, sendo “É sempre tarde quando choramos” a mais conhecida.
Escrevo estas linhas a propósito da minha próxima novela, Em Família, que estreia em 3 de fevereiro na TV Globo. O que dá origem à história de amor que eu pretendo contar é a mitológica ave fênix, que todos conhecem ou de quem pelo menos já ouviram falar. Aquela que depois de morta renasce das próprias cinzas. E por essa razão se tornou “símbolo da imortalidade e do renascimento espiritual”. Na novela, o personagem Laerte vive com Helena um grande amor que se extingue, mas que ele acredita que renascerá sucessivamente por toda a eternidade.
Coisa de novela, dirão alguns. Pois é, mas quantas vezes a vida não imita a ficção? Quem não vive ou viveu uma história real que aos outros parece “coisa de novela”?
A propósito da fênix, uma das minhas pesquisadoras, a Julia Laks, me mandou um poema belíssimo do persa Farid al-Din Attar, extraído do livro A Linguagem dos Pássaros, na tradução de Álvaro Machado e Sergio Rizek, publicado pela Attar Editorial. Fiquem com alguns fragmentos e não se esqueçam da fênix se tiverem a curiosidade de assistir à minha novela a partir de fevereiro:
“Na Índia vive um pássaro que é único: a encantadora fênix tem um bico extraordinariamente longo e muito duro, perfurado com uma centena de orifícios, como uma flauta. Cada abertura em seu bico produz um som diferente, e cada um desses sons revela um segredo particular, sutil e profundo. Foi desse canto que um sábio aprendeu a ciência da música.
A fênix vive cerca de 1 000 anos e conhece de antemão a hora de sua morte. Quando ela sente aproximar-se o momento de retirar o seu coração do mundo, e todos os indícios lhe confirmam que deve partir, constrói uma pira reunindo ao redor de si lenha e folhas de palmeira. Em meio a essas folhas entoa tristes melodias. Todos os pássaros e animais são atraídos por seu canto. Todos se aproximam para assistir ao espetáculo de sua morte…”.
E o poema se encerra com estas palavras: “Quando lhe resta apenas um sopro de vida, a fênix bate suas asas e agita suas plumas, e deste movimento produz-se um fogo que transforma seu estado. Porém, quando a pira foi consumida e a última centelha se extingue, uma pequena fênix desperta do leito de cinzas”.
A mim parece ser essa a melhor definição para o amor que se acredita eterno. Um sentimento que muitas vezes morre, mas que renasce sucessivamente ao longo de uma vida.
Feliz Natal para todos nós.