Dia da poesia
O poeta é um fingidor, Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. Esses versos de Fernando Pessoa expressam a mais completa definição do que vem a ser alguém que possa ser chamado de poeta. Pelo menos em língua portuguesa. Tenho quase certeza de que já escrevi aqui, […]
O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Esses versos de Fernando Pessoa expressam a mais completa definição do que vem a ser alguém que possa ser chamado de poeta. Pelo menos em língua portuguesa.
Tenho quase certeza de que já escrevi aqui, nesses dez anos de crônicas de Vejinha, a decisão que tomei, ainda menino, sobre o ofício que passaria a professar dali por diante: a de ser um fazedor de versos. A de ser um poeta. Vamos pela ordem.
Numa antologia da língua portuguesa, certa vez, por um acaso, li que Castro Alves, o grande poeta da minha juventude, fazia aniversário no mesmo dia que eu.
Lembro o orgulho e a vaidade que me assaltaram naquele momento inesquecível da minha vida. Corri a contar a toda a família e a quem mais se dispusesse a ouvir o menino levado, malcriado, muitas vezes insuportável que eu fui, para desespero da minha pobre mãe, que vivia com o coração aos saltos me procurando nas correntezas do Tietê — naquele tempo um majestoso rio que cortava
São Paulo —, certa de ali me encontrar afogado, e que respirava fundo quando me via surgir vivo, como num milagre, pois nem nadar eu sabia.
Pois ela, apesar de toda a inquietação que eu lhe causava, ainda assim saudou a minha descoberta, dizendo qualquer coisa como: “Então, filho, isso certamente é um sinal divino que aponta para você um destino glorioso, o de poeta!”.
E, aproveitando-se do momento, ainda acrescentava: “E quem sabe assim você sossega um pouco e me dá alguma tranquilidade!”.
E a partir daquele dia, em que descobri minha vocação, passei a dizer quando perguntavam pelo meu futuro:
— Isso já está decidido desde agora: sou um poeta.
Pobre de mim que sonhava com isso. Rico de mim que ainda sonhava!
De qualquer modo, se não fiz carreira de poeta, experimentei uma juventude de boemia e de excessos, como a vida dos poetas românticos do Brasil e do resto do mundo. Até hoje é a poesia minha leitura de todos os dias. Não deixo que um dia se acabe sem ler — por meia hora que seja — alguns versos. E para isso vivem à cabeceira de onde durmo alguns dos meus autores preferidos, entre eles Manuel Bandeira e Drummond, para citar apenas dois brasileiros.
Jamais me esqueci, desde então, de que o dia 14 de março era o aniversário de Castro Alves, e que isso apontava, como sonhava minha mãe, para um futuro glorioso como poeta, o poeta que não fui.
O fingidor que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
Mais tarde, muitos anos depois, não sei, descobri que essa data — a do meu aniversário e de Castro Alves — era também consagrada como o Dia Mundial da Poesia.
Não me lembro se minha mãe chegou a saber de mais essa coincidência. De qualquer modo sei que ela diria (ou será que disse?): “É mais um sinal, filho, do futuro que você tem pela frente!”.
Uma prova cabal de como se enganam tanto o destino quanto as mães.