A desconcertante pergunta básica: ‘e por aí, tudo bem?’
Uma conversa entre amigas sobre nossos dias nublados
Um dia desses, liguei para uma amiga e rolou aquela troca de “tudo bem por aí?”, ambas meio rindo só de fazer a pergunta. As duas sabem que “tudo” bem não vem representando a gente de maneira geral. Mesmo achando graça, ambas responderam que sim, “tá tudo bem”. Esse tudo bem atual, que é o que tá dando pra ter. As coisas estão indo do jeito que dá, aos tropeços, com muitos obstáculos, ou, para os mais positivos, muitos desafios… Para os mais positivos ainda, eu diria que com muitos “aprendizados”. Atualmente, quando a pessoa me pergunta algo como: “e aí? Deu certo? Resolveu aquilo?”, eu fico sem saber a qual dos “aquilos” a pessoa está se referindo. Como dizia um amigo antigo: “Que fase, hein, fera…”.
Percebo que não somos as únicas achando essa pergunta básica meio desconcertante. Vejo muita gente entregar as angústias num suspiro disfarçado, na minipausa hesitante, antes de responder o “e aí, tudo bem?” com um “sim”, “tá”, “tudo”. Ou com o famoso “tudo indo”, ou com o clássico “tudo caminhando”. Sempre achei essas respostas curiosas. “Tudo indo”,“tudo caminhando”. Fica faltando saber pra onde…
Como essa pergunta vem sendo um gatilho emocional para mim, meu truque atual é devolver a pergunta o mais rápido possível. A pessoa pergunta “tudo bem?” e eu respondo: “Tudo, e por aí?”. O “tudo” eu falo bem rápido, destaco logo o “e por aí?”. Assim não caio na tentação de começar a fazer a lista do que está fora do “tudo”.
Nesse papo com a minha amiga, ela comentou uma situação engraçada e bem simbólica que aconteceu entre ela e o namorado. Eles foram para a Bahia e, assim que chegaram na praia, o tempo fechou e começou a ventar. Minha amiga lamentou as nuvens, o dia nublado. Reclamou da “roubada” em que eles tinham se metido, se enrolou numa canga, colocou óculos para proteger os olhos e máscara para proteger a garganta… O namorado, ao contrário, permaneceu animado. Achou que a praia estava ótima, e complementou dizendo que estava “quase sol”. Eu brinquei quando ela me contou, dizendo que de fato estava quase sol, bastava tirar as nuvens todas… Rimos e ficamos pensando nessa perspectiva dele, bem mais otimista. Ele estava destacando o que tinha por trás do cenário cinza. Já ela estava vendo o que estava bem na sua frente. Inspiradas nesse episódio, brincamos, eu e ela, que estamos “quase bem”.
Depois disso, fiquei pensando. Os nossos dias ruins são aqueles sem brilho, que têm nuvens que deixam tudo cinza e carregado. Mas as nuvens, em geral, deixam a paisagem bem mais interessante também. Elas dão nuances, cores, profundidade, formam desenhos, geram movimento. As nuvens se transformam em segundos, o que as torna mais fascinantes. Elas nos despertam um olhar lúdico, e ainda trazem valor ao momento presente, que é único.
Imagina só, todo dia o céu limpo, com sol a pino. Nunca nuvens, nunca chuva, nenhuma tempestade. Nunca um dia cinza. A mesma paisagem sempre. Linda, mas sem mudanças. Só de pensar fico aflita.
Então, agora, em dias mais tristes, mais estressantes, em que os problemas parecem se acumular e fico achando que não vou encontrar saída para minhas questões, eu lembro dessa conversa. Lembro que as nuvens estão no céu, sim, e às vezes são muitas, e carregadas.
Mas o sol nunca some, nunca se ausenta. Pode não estar escancarado, visível. Pode estar bastante encoberto, até. Porém, ele está sempre lá, iluminando, até quando não é visto. O sol é a vida, o amor, é a vontade de estar aqui e de continuar aqui. É tudo que traz luz e brilho à nossa existência.
Então, mesmo nos dias mais pesados e escuros, pensando bem e olhando com mais atenção, eu percebo que o namorado da minha amiga tem toda razão. Tá sim, quase sol.