As prioridades de Eduardo Paes no Rio de Janeiro
A lista é enorme e pressupõe resgate da autoestima cidadã do carioca
Eduardo,
Espero que Vossa Futura Excelência não se incomode de chamá-lo apenas pelo prenome, afinal este foi o modo escolhido por você e sua campanha, talvez com o objetivo de aproximá-lo das pessoas, de criar uma sensação de intimidade entre o homem público e a população. Pois é com esse espírito que decidi lhe escrever.
Passada a euforia da vitória nas urnas, é hora de trabalhar, antes mesmo de se sentar na cadeira de “síndico” da cidade mais maravilhosa deste mundo. Cariocas de nascença ou por adoção sentimos na pele todos os dias que não há tempo a perder. A maioria de nós, que trabalha e paga (altos) impostos, não está muito preocupada neste momento em saber de quem é a culpa pelo caos, de como chegamos até aqui. Os partidos, os políticos e as gestões deixam suas marcas de acordo com a conjuntura, o orçamento, a capacidade gerencial, a integridade e a boa fé. Para o bem ou para o mal, a cidade é resultado de uma construção ao longo de anos, décadas e séculos – as pedras portuguesas, lindas e perigosas, nos lembram disso diariamente.
Queremos olhar para a frente.
Após os resultados das urnas, vi uma entrevista na televisão em que você dizia que já era chato antes, dormia pouco, acordava cedo para “perturbar” a galera que trabalha com você. E que agora ia ser ainda pior. Se assim for, melhor pra gente. Os desafios são muitos, os cenários local, nacional e global são complexos. A batalha não é fácil. São tempos de pandemia. O combate à Covid-19, os protocolos, o planejamento para as vacinas, os hospitais, enfim, a saúde é primordial. A tarefa é de todos, mas esperamos estratégia, exemplos, fiscalização e liderança.
Difícil elencar as prioridades, tantas que são. A questão econômica vai pegar. Como obter receitas para uma lista enorme de prioridades, em um momento de crise? Como não penalizar o contribuinte e, ao mesmo tempo, atender o cidadão? Tem o outro lado da moeda: corte de despesas e eficiência gerencial. Em paralelo, como incentivar o turismo, a indústria criativa, os serviços, a atividade econômica em geral? Empresas, empresários e empreendedores sérios (formais e informais) estão órfãos.
A violência é outra urgência. Assim como as questões urbanas, as comunidades pobres, a mobilidade. Sem falar na educação, que sofreu este ano com as escolas fechadas por causa da pandemia. A cultura? Dureza. A lista dos afazeres é giga, este foi só um resumo rápido. Tudo parece ser, e é, prioritário. E não dá para resolver as coisas sozinho: precisamos de pactos lícitos com governos estadual e federal.
Há, no entanto, algo que precede tudo isso e que, talvez, seja o que há de mais importante: o resgate da carioquice, do orgulho de ser carioca, de morar, trabalhar, cuidar e valorizar a cidade. É a nossa autoestima cidadã. Os moradores do Rio estão mal, estão deprê. Amamos uma ideia de cidade que há tempos não existe mais. À medida que vivenciamos o abandono público, perdemos a fé em nós mesmos, em nossa capacidade de virar o jogo. Infelizmente, muitos de nós estamos agindo de acordo com a Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory) – um carro abandonado em um bairro de classe alta se mantém ileso até ter uma de suas janelas avariadas; a partir de então, é totalmente saqueado pelas pessoas, sem dó nem piedade.
As praias estão sujas, terra sem lei. Os parques, abandonados. O trânsito é romano. As calçadas têm buracos, esgotos, lixo. Os assaltos se multiplicam à luz do dia. A morte está banalizada. A sensação é de apocalipse. Para que o Rio de Janeiro não se transforme apenas em uma lembrança boa que contaremos aos nossos netos e bisnetos paulistas (ou estrangeiros), está na hora de “chamar o síndico”, que, obviamente, não é o Tim Maia. Pensando bem, ele adoraria ter a sua ciclovia – do Leme ao Pontal – na tal lista de prioridades…
Boa sorte e boa gestão, Eduardo. Conte com os cariocas.