Pequeno dicionário econômico
Termos como "PEC fura-teto" jogam luz no economês, um idioma tão difícil quanto necessário
Há algum tempo, nas redações de jornais, circulava a história do editor-chefe que teria pedido a um repórter de Economia que conseguisse uma foto “desse tal de C-bond” para publicar na primeira página. Se você acompanha um pouco de economia, provavelmente está rindo. Não há fotos de C-bond – é possível que surja até um 007 no Google Images. Casos assim, que revelam desconhecimento de temas e termos econômicos, não são raros. O desinteresse por questões fundamentais em nosso dia a dia – fundamentais porque afetam nosso bolso, nosso bem-estar e nossa qualidade de vida – explica-se, em parte, pelo uso de uma linguagem hermética, difícil mesmo de entender, o economês. Esse idioma, ainda por cima, abusa de siglas e gírias do mercado, o que torna tudo ainda mais distante da vida real.
Lembrei da história do C-bond e de tantas outras em meio às recentes discussões da “PEC fura-teto”. Será que o brasileiro médio entende o que é isso e qual a sua relevância? “Não se fala de outra coisa no boteco da esquina”, diria um colega jornalista, em referência a algo que extrapolasse no economês, gerando não só desinteresse como repulsa. O tema pode parecer chato, e é. Mas é importantíssimo e não dá para deixar o assunto nas mãos de poucos.
Um hipotético Pequeno Dicionário Econômico descreveria a PEC fura-teto como uma Proposta de Emenda Constitucional (iniciais formam a sigla PEC) que permite flexibilizar regras fiscais, como o teto legal para delimitar os gastos púbicos. A flexibilização acarretaria, portanto, no desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A LRF, por sua vez, regulamenta a utilização de recursos públicos no Brasil, tentando fazer com que os governantes controlem as despesas e façam gastos com o mínimo de responsabilidade, cumprindo as metas orçamentárias. A discussão recente da PEC fura-teto é complexa: envolve a origem dos recursos para conceder novas parcelas do auxílio emergencial aos mais vulneráveis, em função da pandemia de Covid-19, bem como põe em jogo emendas orçamentárias e interesses político-eleitoreiros de parlamentares e do Executivo.
Em Finanças, o linguajar é pior. Aqui, existe um dialeto do economês, o financês. Selic, Copom, Fed e swap (tem o tradicional e o reverso, que tal?) estão todos os dias no noticiário. Acredite: esses termos impactam diretamente nossas vidas. Não à toa, a crise financeira de 2008 foi de enlouquecer, a começar pelo nome: subprime. Hã? Quantos entre os mais de 200 milhões de brasileiros sabem o que é subprime? Nem vou provocar, então, com o CDO sintético ou o CDS. Aliás, recomendo o filme “A Grande Aposta”, que tem a preocupação de traduzir a crise global de 2008 de um modo bastante criativo, como a cortante explicação de Margot Robbie na banheira: Sempre que ouvir ‘subprime’, pense ‘merda’. Uma licença poética da sétima arte.
No segmento de Finanças, tem Jogo do Bicho também. Nas bolsas, convivem sardinhas e tubarões, ursos e touros e, mais recentemente, até unicórnios.
Por fim, mais um pequeno exemplo dessa babel contemporânea: quem é capaz de entender o título “B3 lança casado de dólar com negociação eletrônica”? Este é só um, coletado aleatoriamente por esses dias. Diariamente, há dezenas do gênero.
Existem esforços profissionais dos participantes do segmento econômico, incluindo veículos de comunicação, blogs, canais e plataformas especializadas, para descomplicar a Economia. É uma tarefa hercúlea, mas necessária, principalmente em um país desigual como o Brasil. Exige responsabilidade. Na rede, o leitor pode encontrar, de graça, vários conteúdos nesse sentido, mas é preciso estar atento à credibilidade e ao viés de quem oferece. Dois links oficiais de glossários que recomendo acessar quando surgirem dúvidas são o do Banco Central e o da CVM. Não cobrem todo o universo econômico nem contextualizam os conceitos, mas servem como um pontapé inicial.
O jornalismo econômico enfrenta um dilema essencial: ser ao mesmo tempo claro e direto, mas sem ser óbvio, sem correr o risco de cair no vazio. É o outro extremo. Lembro de uma matéria sobre negócios que dizia: “Perdas podem anular os lucros”. É… Outra, ao se referir a um aumento no varejo das vendas de utensílios em um momento de avanço feminino no mercado de trabalho, era assim: “Eletrodomésticos facilitam vida da dona de casa”. Conciliar a notícia dura com o entendimento popular é um problema, muitas vezes solucionado a partir da vontade real de fazer o leitor ou espectador sentir o impacto que um fato causa em sua vida. O jornal “Notícias Populares” explicou o Plano Collor de um jeito simples, voltado para seu público: “Lá se vai o seu pobre dinheirinho: governo fecha bancos e muda nome do Cruzeiro”.
Atualmente, com os hiperlinks da internet, seus espaços mais generosos, possibilidades multimídia e os difundidos “Entenda”, é factível nos tornar um pouco mais íntimos da linguagem econômica, insistindo em hábitos regulares de leitura e audiovisual. Não custa muito, e o retorno é elevado; em economia, equivaleria a um investimento “triple A”.
Em tempo: o C-bond foi um título público, emitido pelo Tesouro na década de 90, com o objetivo de captar recursos direcionados à renegociação da dívida externa do país.