A coroa, o corona e a inflação do coco a 8 reais
Na nova realidade pós-pandemia, dinheiro vivo tende a desaparecer. Tecnologia das maquininhas, transações digitais e criptomoedas são desafios
O que sei sobre a Suécia? Pouco. Do país que agora ocupa manchetes polêmicas, por não ter aderido à quarentena da Covid-19, consigo listar apenas o básico dos estereótipos: vikings, beldades louras por toda a parte, prêmio Nobel, Ingrid Bergman, duas Gretas (Garbo e Thunberg), Ikea e, claro, o primeiro título mundial da Seleção Brasileira na Copa de 1958.
Mal lembrava o nome da moeda sueca. Mas o Google me salvou. O país tem, óbvio, a sua coroa – nome clássico para a moeda de uma monarquia. Pois a svensk krona, que existe desde 1873 e resistiu bravamente ao euro, deve desaparecer em breve (atenção, colecionadores!). Em fevereiro, o banco central da Suécia começou a testar sua criptomoeda, a e-krona, prevista para substituir o pouco que ainda resta de circulação de dinheiro vivo no país – cerca de 1% das transações. A mudança vem sendo pensada e implementada há anos, em etapas, pois além do aparato tecnológico, estão em jogo questões culturais e subjetivas, como a confiança e a credibilidade da moeda na sociedade.
Já há algum tempo, no mundo todo, os plásticos – cartões de débito e crédito – vêm ganhando aceitação e espaço como meios de pagamento, bem como, mais recentemente, os dispositivos digitais. Essa tendência – de diminuição da circulação de dinheiro vivo nas ruas – tem tudo pra avançar no pós-pandemia, como consequência dos cuidados e restrições que as pessoas provavelmente adotarão para evitar contágio pelo novo coronavírus. O e-commerce contribui para a alta no volume de transações eletrônicas em detrimento do “cash”. A modalidade, em curva ascendente há décadas, vai reinar nestes novos tempos.
São várias as tendências e projeções de uma realidade que desconhecemos. Mas, caso essas que citei aí em cima se concretizem, alguns fatores relativos ao tema levantam preocupações locais. Aqui não é a Suécia.
No Rio de Janeiro, segundo levantamento do Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises (IFec-RJ) realizado no ano passado, 70% dos estabelecimentos comerciais aceitavam como forma de pagamento cartões de crédito e débito. O percentual, embora inferior ao da realidade escandinava, é significativo. Há, no entanto, uma massa de informais e autônomos que não pode ser ignorada.
Mesmo nas lojas e no comércio formal, de grandes redes varejistas inclusive, o custo das maquininhas pode ter um peso grande na composição de margem. Em última instância, o resultado é que os preços dos produtos aumentam. Entre informais e autônomos, não é diferente. E isso tem impacto nos negócios.
Para exemplificar, conto uma historinha a partir de um dos símbolos da cultura praiana carioca. Outro dia, um coco verde em um quiosque da orla era vendido por módicos R$ 8, pagos no cartão de crédito. O mesmo coco, num supermercado a 300 metros de distância, custava R$ 1,59. Após ouvir a reclamação de estar cobrando 400% a mais, a vendedora justificou: “Todo mundo só quer pagar com cartão, ainda mais agora que ninguém quer encostar em dinheiro velho. Mas a taxa do cartão é a gente que paga”. É, pode ser…
Mas não é só. Segurança digital, golpes virtuais e o acesso à conectividade são outros desafios deste novo mundo (quase) sem moeda física. Em um cenário projetado de alto desemprego e perda de renda, estas são questões importantes para impulsionar uma desejada retomada econômica. Nesse processo, a tecnologia não pode ser a vilã, mas sim uma grande aliada de empresários (grandes e pequenos), trabalhadores e consumidores.
Luciana Brafman é jornalista, bacharel em Ciências Econômicas e professora da PUC-Rio.