Teatro, por Claudia Chaves: “Tom na Fazenda”, a lavoura ainda arcaica
Relações que não se revelam e sufocam a sua verdadeira natureza acabam por criar sons dissonantes

Vida, paixão, sexo, prazer, promiscuidade, assédio, separação e morte andam juntos em nosso cotidiano, como se fossem notas e tempos de uma mesma sinfonia. Crescendos, pianíssimos, descompassos. E o maestro rege também os silêncios. Relações que não se revelam e sufocam a sua verdadeira natureza acabam por criar sons dissonantes e, na dissonância, cabem. A nota aguda, o som grave, o alcance de escalas e acordos que não deveriam estar lá, assim como tristeza, desespero, terror deveriam estar fora dos encontros. “Tom na Fazenda” transforma essas questões em um verdadeiro redemoinho de sentimentos controversos.
Obra do premiado autor canadense Michel Marc Bouchard, o projeto é idealizado por Armando Babaioff, que assina a tradução do texto. Com direção de Rodrigo Portella, há um começo tímido, com o publicitário Tom (Armando Babaioff) chegando à fazenda da família para o funeral de seu companheiro, jovem, cuja causa mortis não é mencionada. Lá chegando, em vez de apenas enterrar o seu amor, vai aos poucos, desenterrando os diferentes conflitos daquela família. Descobre que a sogra, Agatha, nunca tinha ouvido falar dele tampouco sabia que o seu filho predileto era gay. Na aparente calma do ambiente rural, com as rotinas determinadas pelo tempo natural do amanhecer, anoitecer, surgem a sombra, a tempestade: Francis, o irmão invejoso e hostil, resolve exercer todo o seu ressentimento em Tom. E esse se deixa ir para o abate, como vão os animais.
A cenografia de Aurora Campos faz do palco um ambiente de desolação. Ao invés de uma fazenda idealizada, com verde, temos uma cor de barro, uma profunda aridez, um chão irregular e nenhum objeto. É a solidão absoluta em que os personagens se movem para se enfrentar em todos os diálogos. Semelhante a um ringue de box, as pegadas físicas do irmão sobre Tom são para submetê-lo. Não se sabe direito a que, apenas a imposição da suposta masculinidade a uma imaginada passividade homossexual.
A atuação de todos os quatro atores é perfeitamente ajustada ao que se passa em cena. A mãe amorosa é permissiva ao mesmo tempo que acolhedora. A violência do irmão de Gustavo é escondida quando a trama o pede, mas também é explícita e explode em violência. Camila/Sara é a amiga que vem para se fingir como namorada do filho, no entanto, é Tom/Armando o centro de onde tudo se irradia. Ele, de forma perfeita, desempenha o sujeito simples, perplexo por não conseguir alcançar o que lhe está acontecendo; por isso, muitíssimas vezes premiado justamente como melhor ator.
O modus vivendi da fazenda – com o trato dos animais, o plantar e o colher – começa a ser o ritmo dos diálogos, das revelações e das perguntas dos dramas internos que se tornam externos. O luto torna-se uma nova vida. O que poderia ser enterrado torna-se insepulto. O espectro torna-se real. Assim como os animais e plantas, tudo deixa raízes. Esse é o movimento da fazenda. Esse é o movimento da vida.
Serviço:
Teatro Sesi – Firjan (Av. Graça Aranha, 1 – Centro)
Sexta às 19h; sábado e domingo, às 18h.
