Teatro, por Claudia Chaves: “Eddy — Violência e Metamorfose”
O que o transforma o espetáculo em extraordinário é como o autor conta a sua história, a linguagem contemporânea

Existem histórias banais, comuns, que acontecem a cada esquina. Existem histórias extraordinárias, impactantes. A história de Edouard Louis, o jovem autor francês que se tornou um best-seller conceituado, é o que os franceses chamam de ordinaire, da ordem, do comum. O que o transforma em extraordinário é como o autor conta a sua história, a linguagem contemporânea. Os fatos acontecem a cada esquina, mas deveriam ser extraordinários.

“Eddy – violência e metamorfose” é um único texto coeso que Luiz Felipe Reis e Marcelo Grabowsky conseguem transformar 3 romances de Edouard Louis em um texto dramatúrgico coeso, forte, no qual as ações dos personagens se transformam em pura brutalidade. Palavra, gesto, corpo se unem na mesma entonação, um uníssono raro de se encontrar mesmo em obras originais de teatro.
A narrativa, encarnada com fúria e fragilidade por João Côrtes no papel do alter ego Eddy, é de precisão cruel de quem se vê obrigado a olhar de frente o que sempre evitou. Côrtes impressiona pelo rigor físico: seu corpo, orientado pela direção de movimento de Lavínia Bizzotto e pela preparação corporal de Alexandre Maia, transforma-se na expressão de corpo e palavra do texto.

O cenário, assinado por André Sanches, com assistência de Débora Cancio, aposta em utilizar os objetos cênicos em cama, quarto, sala de interrogatório. A iluminação e o vídeo, coordenados com maestria por Julio Parente (Para Raio) e Daniel Wierman, criam o contato com o cotidiano via as imagens projetadas.
A direção firme de Luiz Felipe e Marcelo consegue extrair de todos os momentos de cada ator interpretações com densidade, na medida em que os personagens se transformam de acordo com os seus diálogos com Eddy. Julia Lund, num registo tocante como a irmã Clara, e Igor Fortunato, com força física e presença inquietante como Redá, o agressor. A trilha sonora original de Luiz Felipe, com direção musical de Carol Mathias e produção de Pedro Sodré, apoia as transições das cenas. O figurino de Antônio Guedes, com assistência de Mari Ribeiro, é sutil, quase neutro, com pequenos detalhes que sugerem que, como acontece em toda a cena, sob as identidades há camadas. As projeções trazem localização à realidade , aparentemente, difusa.

A confissão do protagonista é mais do que um ato individual. É uma travessia coletiva que nos obriga a ouvir, a testemunhar e a opinar. Eddy é um flâneur contemporâneo: um homem deslocado que carrega a literatura na mão e a dor no corpo, observando o mundo com olhos tristes e inquietos. A sua metamorfose não é redenção — é resistência. É um corpo em permanente estado de urgência do qual somos espectadores, ao mesmo tempo. A dor da gente não sai no jornal.
Serviço:
Teatro Sesc Copacabana
De quinta a domingo, às 20h30
