Teatro, por Claudia Chaves: “A Louca” — um sobrenome
O primeiro acerto é a talentosa e eclética Sandra Incutto, com um figurino atemporal branco, largo, desgrenhada

Durante muitos e muitos momentos da minha vida, achei que meu verdadeiro nome era Maluca, Louca, Doida — carinhosamente, poderiam ser esses adjetivos no diminutivo ou, da melhor maneira, o tal do Lelé. Sempre percebi que isso não era algo particular. Era sempre dirigido a alguém do gênero feminino que fosse primeira aluna ou corajosa, ou que tivesse opinião própria, ou que tivesse posição de liderança (sobretudo sobre “eles”), ou que achasse — aí era de internar no chamado hospício, que pudesse ter uma carreira, ser mãe e ser mulher. Tudo isso junto, só com choque elétrico.

Dessas metáforas, emerge “A Louca”, um monólogo a partir da trajetória de Dona Maria I, rainha de Portugal, a quem aprendemos nos livros de história machistas, a chamar a mãe de D. João V de Maria, a Louca. O primeiro acerto é a talentosa e eclética Sandra Incutto, com um figurino atemporal branco, largo, com as femininas pérolas que reproduzem uma roupa de rainha, desgrenhada (como ficamos ainda que metaforicamente), cabelos despenteados na ótima composição de Ticiana Passos.
-Sandra vem da palhaçaria, interpretação rara de se ver no geral na Terra de Vera Cruz; em mulheres, caso quase que impossível. Sandra junta todas as técnicas de corpo, voz, mãos, olhares e movimentação para falar de Maria I, quase uma Eva, origem de uma brasilidade feminina, sempre abafada, mesmo quando se é de direito. Maria é uma herdeira legítima tal qual as Elizabetes, as Vitórias que lemos por aí. Contudo, ao ter um filho varão, imediatamente, descolocar.
O texto de Alexandre Maximino mistura termos de nossa cultura misturada, com diversas origens, sotaques embrulhados e embaralhados, sentimentos predominantes, sentimentos abafados e aqueles em que não se pode pensar, quanto mais falar. A direção de Márcia Salgueiro, sem ressaltar nada em especial, consegue dar destaque a tudo que as Marias sentem, mesmo que não se chamem Marias.

Sandra foi, durante 11 anos, a personagem no Museu Nacional que queimou, e forma injusta, descuidada, abandonada, como é a Maria que ela interpreta. Ao fundo e presente, estão as canções na voz de Gal Gosta, ela mesma uma Maria — Maria das Graças, no nome e na força de sua voz e talento. A reflexão de Louca? , É um alento, um sopro de força, de identificação. E que nos permite rejeitar esse sobrenome ou dizer “sou louca mesmo. E daí?|”
SERVIÇO:
Sexta e sábado (21 e 22/02), às 20h, e domingo (23/02), às 19h.
Casa de Cultura Laura Alvim, Ipanema (Avenida Vieira Souto, 176)
Telefone: (21) 2332-2016
@louca.monologo
