Sete perguntas para la Peña: “É possível usar o humor como denúncia”
O humorista resgatou “Cidade Calamitosa” (2007) nas redes logo depois da tragédia do dia 28 de outubro, no Complexo do Alemão e da Penha
O Casseta & Planeta está fora da TV desde 2012, mas algumas esquetes continuam tão atuais quanto o noticiário. Uma delas é “Cidade Calamitosa” (2007), que Helio de la Peña resgatou nas redes logo depois da tragédia do dia 28 de outubro, no Complexo do Alemão e da Penha — bairro onde o humorista nasceu.
Na cena, de cima de um morro com vista para o Cristo, o personagem de Hélio anuncia: “No Rio, organizado só o crime! Mas por maior que seja o tiroteio, o carioca nunca perde o rebolado.” E segue com um samba-enredo gravado no Cristo: “Cidade calamitosa, quase guerra civil, cidade calamitosa, da escopeta e do fuzil!…”
“Dezoito anos depois da primeira exibição, tudo continua a mesma coisa. Foi a única esquete que reprisamos em 2012. E as autoridades seguem fazendo as mesmas reprises”, diz ele.
O artista tem rodado com o stand-up comedy “Preto de Neve”, sempre com humor afiado e temas sensíveis — das adversidades de ser negro em ambientes elitizados às trapalhadas em viagens com a família. No cartaz, ele já avisa: “Preto e neve não combinam — tanto que não existe esquimó africano”, diz o único preto do Jardim Pernambuco, tido como o condomínio mais exclusivo do Rio.
Conversamos com Hélio sobre o assunto que deve continuar assombrando o país, certamente, por um bom tempo.
1- Você nasceu na Vila da Penha e hoje vive na Zona Sul — duas geografias muito diferentes. Como é ver o bairro onde cresceu se tornar sinônimo de tragédia? O que o “menino da Penha” diria pro “Hélio da Zona Sul”?
O subúrbio do Rio vive desassistido pelo Estado, sobretudo as regiões mais pobres. Nasci e fui criado na Vila da Penha, bairro considerado de alto IDH. É perto do Complexo da Penha, mas é outra realidade, mais privilegiada. Porém, quem mora lá sabe que a insegurança é geral. Na família, tivemos três carros roubados, um deles na porta de casa, à mão armada. Por isso, o menino da Penha diria pro Helio do Leblon: ‘Ei, não esquece da gente aqui do subúrbio! Pede pro pessoal dar mais atenção’.
2- Você disse recentemente que está “cansado de ver autoridades empilhando cadáveres e se orgulhando disso”. O que mais cansa?
O que mais cansa é darem sempre a mesma solução, que comprovadamente não funciona. Há décadas, a saída é uma operação violenta com número expressivo de mortos — criminosos, policiais e moradores inocentes. Muita gente comemora, como se algo positivo estivesse sendo feito. E ninguém, no dia seguinte, tem a sensação de viver numa cidade mais segura. As facções rapidamente repõem seus soldados, mas a mãe que tem a criança baleada dentro de casa só pode chorar a perda irreparável.
3- Como humorista, você sempre usou o riso para provocar reflexão. Dá pra fazer humor com um Rio que parece viver um eterno “Mad Max”?
O Casseta & Planeta fez várias matérias humorísticas que, no fundo, denunciavam como o tema tem sido conduzido de forma equivocada. É possível usar o humor como denúncia. Hoje, como colunista do UOL, me permito opinar sem necessariamente recorrer ao humor.
4 -Você acha que o modo como o poder público fala dessas operações ajuda ou atrapalha? Ainda há espaço para um discurso mais humano sobre o que acontece nas favelas?
Tenho certeza de que as autoridades sabem que nada se resolve expondo corpos de cadáveres numa praça pública. São operações, muitas vezes, com cunho eleitoreiro, que satisfazem o eleitor que acredita, equivocadamente, que este é o caminho. No dia seguinte, o medo de andar nas ruas continua. Essas operações são vendidas como o primeiro ato da ‘volta do Estado’ àquela região, prometendo limpeza, saúde, educação, lazer — mas essas medidas nunca saem do papel. E alguns moradores de áreas privilegiadas, distantes do cenário de guerra, acreditam que houve evolução. Quantas operações com alto índice de letalidade já ocorreram? E a sensação de insegurança permanece a mesma.
5- O Rio vive entre o estereótipo da “cidade maravilhosa” e a realidade de uma metrópole sitiada. Qual é o Rio possível pra você hoje?
Não desisto do Rio. Amo minha cidade e desfruto do que ela tem de melhor: a natureza. Pedalo nas montanhas e na orla, caminho nas matas, nado no mar. O Rio é uma cidade maravilhosa. Mas não podemos nos escorar nas suas belezas e fechar os olhos para seus graves problemas.
6- Os últimos acontecimentos ocupam que lugar no seu coração?
Ocupam o lugar da tristeza e da desilusão. Fico triste quando críticas a ações violentas são interpretadas como apoio à bandidagem. Mas compreendo a resposta da população: as pessoas não têm mais esperança. Os criminosos agem de forma cruel, matam sem pena, e as pessoas comemoram como se fosse vingança. Isso não basta. Temos capacidade de criar soluções mais efetivas — talvez o resultado demore, mas outro método precisa ser testado. O das chacinas já foi utilizado à exaustão. E o resultado foi sempre o mesmo: tragédia para os moradores e votos para a autoridade que comanda a operação.
7- Uma tragédia como a da Penha–Alemão muda o quê na cidade?
Absolutamente nada. A criminalidade repõe suas perdas e segue em frente. Policiais e inocentes morrem, famílias choram, e quem sobrevive reza para não ser a próxima vítima. Enquanto isso, turistas se afastam e deixam de desfrutar das maravilhas da cidade. Perdemos todos.”
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