Crônica: depois do Palco Gospel, pedem Palco Macumba ao prefeito
Escritor André Gabeh escreveu uma crônica sobre a fumaça no réveillon de Copa e pede Palco Macumba

O escritor e ilustrador André Gabeh escreveu uma crônica sobre a fumaça no réveillon de Copa, viralizada nas redes. Com o humor habitual, criou um bate-papo fictício entre Yemanjá, a rainha das águas, com Y mesmo pra diferenciar de Iansã, sua filha, a deusa das tempestades e ventos.
Gabeh é autor do livro “Nunca foi sorte, sempre foi macumba” (2021), com contos envolvendo religiões afro-brasileiras e misticismo baseados em histórias reais. “Fiz a frase do título porque sempre ouvia as pessoas falando ‘nunca foi sorte, sempre foi Deus’, aí eu, muito macumbeiro, fiz minha versão. A macumba é um fio de luz que me liga à minha infância e à minha ancestralidade. Eu amo meus tambores, minha espiritualidade negra. E amo ter a honra de poder ter vivido tantas maravilhas ao som dos atabaques”, diz André.
No texto ele cita o Palco Gospel, estreia na festa carioca, na praia do Leme, e pede um Palco Macumba a Eduardo Paes – o prefeito sempre abraçou todas as religiões e costuma dizer: “Em meus governos sempre patrocinamos a marcha para Jesus, a vinda do Papa, shows dos mais variados artistas, Louvorzão da 93FM (antiga rádio El Shaday), procissão de São Sebastião, Centenário das Assembleias de Deus, festa de Iemanjá, festa de São Jorge…. Na física eu sou de amém (sou Cristão Católico). Na jurídica sou Rio, ou seja, é Shalon, Amém, Namastê, Axé e o que mais vier. Sendo bom pro Rio, tô dentro!”.
O texto de André:
Já vejo o diálogo.
Yemanjá: – Iansã!?
Iansã: – Oi!?
Y: – Cadê Ogum?
I: – Foi pro mar… BaDunTs… Para de graça. Que é, mãe, fala?
Y: – Tá sabendo que vai ter um palco Gospel no réveillon de Copacabana?
I: – Para de implicar. Vai ter Palco Samba também. E vai ter Bethânia. Macumba tá garantida. Olha a intolerância, hein!?
Y: – Bethânia tudo bem, mas Caetano tá com o Orí jambrado. Deu pra cantar umas mangongas que só pela misericórdia.
I: – A moça de Logun também vai cantar.
Y: – Larissa (Anitta) vai cantar safadeza, né? Exu que gosta. Eu sou idosa.
I: – Ela é animada. Tem Ivete também. A macumba tá garantida. O palco Gospel nem vai dar pra ouvir, relaxa. Pior seria se fosse show da Baiana Dos Laticínios.
Y: – Cláudia Danoninha? A yogurt? Ui! Me deu até refluxo. Ui. Só Olorum na causa. Se essa estivesse no desfrute naquele Palco Mundo eu organizaria um tsunami. Vou até colocar um búzio sublingual.
I: – Pois é…
Y: – Mas acho afronta. Me chamam de demônia o ano inteiro e na festa em que meus filhinhos vem me trazer uns presentes colocam essas músicas? Não quero. Antiguidade é posto.
I: – Quer que eu jogue um raio nos equipamentos?
Y: – Não! Pode ferir as pessoas.
I: – Olha… Ainda há pouco, não estava falando em tsunami?
Y: – Licença poética, né? Mas sabe o que você pode fazer, filha? Soprar um vento salobro no meio dos fogos pra irritar Eduardo Paes. As gotículas de água salgada misturadas com rojão…
I: – Posso fazer. Falo com Xangô dar uma desestabilizada nos fogos também… A gente deixa tudo coberto de fumaça. Ninguém se machuca.
Y: – Isso. Ninguém se machuca e fica o alerta para essa prefeitura. E digo mais. Ano que vem quero um Palco Macumba. Com esse nome mesmo ou Palco Gira… Eu hein. Só com macumbeiro desfilando hits… De preferência macumbeiro preto, porque o povo da UmBranca me irrita com aquela estátua minha onde pareço a Mulher Maravilha e com essas oferendas da Temu (site chines com grandes descontos). Também vou querer um espaço na areia pro povo receber santo de equê, pra se jogarem no chão performando ‘O mar serenou’… Tudo bem dramático. Se não for assim é Tsunami.
I: – Mamãe…
Y: – Brincadeira. No máximo desvio a rota de uns tubarões do Recife pra dar um susto nos banhistas.
I: Mãe!!!!
Y: – Parei! Fala com Xangô. Bota no grupo de ZAP, porque de repente Oxumarê se anima e manda uma chuva também.
I: – MAMÃE!
Y: Beijo filhinha.
O resto é história.