Marie Bèndelac: o custo invisível da falta de escuta nas empresas
Pesquisa mostra que 78% dos profissionais não se sentem ouvidos no ambiente de trabalho

Pesquisa mostra que 78% dos profissionais não se sentem ouvidos no ambiente de trabalho. O que isso tem a ver com Burnout, alta rotatividade e decisões ruins, e o que os líderes podem (e devem) fazer a respeito?
Imagine uma sala de reunião silenciosa — não por falta de assuntos, mas por medo, medo de ser julgado, mal interpretado ou, pior, ignorado. Esse silêncio, que parece inofensivo, é um dos maiores inimigos da saúde emocional e da inovação nas empresas.
De acordo com uma pesquisa recente da McKinsey & Company (2024), 78% dos profissionais afirmam que não se sentem ouvidos no ambiente de trabalho. Já o relatório da Gallup aponta que empresas com culturas baseadas na escuta ativa têm 27% mais retenção de talentos e até 21% mais produtividade. Os dados são claros: escutar é, hoje, uma vantagem estratégica.
Como mentora de líderes e especialista em Comunicação Não Violenta (CNV), tenho acompanhado CEOs, gestores e empresários que enfrentam um paradoxo: eles querem equipes mais engajadas, mas evitam conversas difíceis. Querem inovação, mas não criam segurança psicológica para que ideias divergentes floresçam.
Mas não estou aqui para apontar e julgar, pelo contrário. Sou líder também e sei o quanto a gestão de pessoas com perfis, classes sociais e culturas diferentes é desafiadora, particularmente na questão da comunicação.
Esse é exatamente o motivo que me levou a querer levar a CNV para as empresas e desenvolver habilidades comportamentais (“soft skills”) nos líderes através de um método eficaz, quando iniciei minha transição de carreira, 15 anos atrás.
Falo com propriedade. Nos meus anos como executiva em multinacionais, vi de perto os efeitos de ambientes em que só os “favoráveis” tinham voz. Lembro-me de uma jovem gerente brilhante que me procurou após ter passado por uma situação muito constrangedora com um diretor: ele tinha feito um comentário humilhante, mas não era a primeira vez que isso acontecia.
Ela chegou à minha sala e desabou – eu era gerente de RH à época. Ela disse: “Marie, não aguento mais. Desisto. Quero pedir demissão. Não aguento mais ouvir essas coisas. Ninguém vai fazer nada, ele é diretor.”
Aquilo me marcou. E se tornou uma promessa: eu lutaria contra o assédio, seja por má intenção, seja por falta de consciência, pelo fato de comportamentos violentos e microagressões serem normalizados na sociedade e nas empresas.
Hoje, esse desafio é ainda mais urgente. A atualização da NR-1 exige que empresas cuidem ativamente da saúde mental de seus colaboradores. Mas como fazer isso se os líderes não escutam? Se os feedbacks são unilaterais, os conflitos podem ser evitados e as emoções, tratadas como “fragilidade”?
Não se trata de romantizar a escuta. Trata-se de compreender que um líder que não escuta decide mal, isola talentos e adoece sua equipe. Em vez de buscar apenas técnicas de produtividade, está na hora de investir em escuta qualificada, diálogo autêntico e ambientes emocionalmente seguros.
A boa notícia? Isso é treinável. Nos meus workshops e mentorias, vejo líderes aprenderem – com coragem – a ouvir o que antes evitavam: críticas construtivas, sentimentos desconfortáveis e pedidos difíceis. Aprendem na prática a se posicionar de forma assertiva e construtiva, com equilíbrio entre firmeza e empatia. Tornam-se líderes focados em resultados e aspectos humanos ao mesmo tempo. E é exatamente aí que a cultura começa a se transformar.
A pergunta que fica é: sua empresa escuta de verdade, ou apenas tolera o que é conveniente?
Excelente semana!
