“Invertida”, com Miguel Falabella: “Não carrego restos de relações”
"Não tenho o menor interesse em gente que se acha"

Miguel Falabella gabaritou a lista “artista”: ator, roteirista, diretor, apresentador, dramaturgo, modelo e cantor (só no teatro).
Ele vai do apresentador de programa de variedades à sagacidade humorística com sua versão masculina de Odete Roitman, o Caco Antibes (“Sai de Baixo”, 1996–2002) — milionário decadente e preconceituoso com aversão a “pobre” —, e também arrepia os cabelos da nuca como o serial killer obcecado por mulheres vestidas de noiva em As Noivas de Copacabana (1992). E emociona com várias de suas histórias autorais, como A Partilha — peça e filme de sucesso — e, agora, com A Sabedoria dos Pais, comédia romântica sobre recomeços, amadurecimento e as possibilidades do amor, com Natália do Vale e Herson Capri, no Teatro Vannucci, no Shopping da Gávea.
Prepara-se ainda para voltar aos palcos cariocas com Fica Comigo Esta Noite, dia 10 de outubro, no Teatro Casa Grande, sem jamais repetir fórmulas. Ao lado de Marisa Orth, parceira histórica, a peça já passou por Portugal e São Paulo.
“Nem eu, nem Marisa jamais imaginamos que Caco e Magda seriam um casal icônico. Percebemos isso também em Portugal: as pessoas me perguntam ‘cadê a Dona Marisa?’, como se ela fosse minha mulher na vida real. É muito engraçado. Mas nossa relação é anterior a Sai de Baixo. Vem do início dos anos 90, com um espetáculo que fizemos com José Wilker e Mônica Torres. Nós entendemos a respiração um do outro”, conta.
A montagem, dirigida por Bruno Guida, traz a trama de uma viúva (Orth) que organiza o velório do marido, chama os convidados e é surpreendida quando o morto (Falabella) volta para narrar o próprio enterro. A primeira versão, de 1988, foi com Carlos Moreno e pela então novata Marisa. Exatos 37 anos depois, e com três diferentes versões da história — que já teve no elenco Débora Bloch, Luiz Fernando Guimarães e Murilo Benício —, a peça retorna aos palcos.
“A nova montagem consegue juntar as linhas do humor e a premissa melancólica da obra. Acho que está tudo muito equilibrado, e o público responde lindamente. Assisti às montagens anteriores e acho que essa é muito original na proposta de encenação. E a Marisa sempre foi um talento extraordinário, que conseguia, garota, fazer essa mulher que se despede do marido. O Flávio de Souza (autor) permitiu que eu colocasse algumas interferências que ficaram realmente muito engraçadas e pertinentes aos dias de hoje”, explica.
Falabella também se prepara para estrear em Três Graças, próxima novela das nove da TV Globo, de Aguinaldo Silva, contracenando com Samuel de Assis, seu marido na história.
“O que me atraiu na novela, primeiro, foi fazer um casal homoafetivo que tenha a família, talvez, mais funcional da trama. Não há nenhum traço de caricatura, não há aquela velha visão de um casal gay ou de personagens gays que se fazia há algum tempo. Não é um Caco Antibes gay: é um cara muito culto, dono de uma galeria de arte, que tem um marido, juntos dirigem a galeria e criam uma filha. Uma família absolutamente dentro do que se esperaria.” Aqui, a entrevista pra você, de alguém que fala o que pensa. Fala, fala, fala bella!
UMA LOUCURA: À exceção das de amor, que são as mais extremadas, foi bater na porta de Beatriz Segall, aos 26 anos, com o texto de Emily (1984, sobre Emily Dickinson) e oferecer o papel para ela. Eu era um desconhecido, e ela, uma grande estrela. Ela perguntou: “Mas quem vai dirigir?” Eu disse: “Eu.” Ela retrucou: “Você já dirigiu o quê?” Eu respondi: “Nada, mas preciso começar bem. Preciso ter uma atriz do seu porte.” Ela aceitou, com a condição de que um amigo, o professor Eladio Pérez Gonzales, acompanhasse os ensaios no início para ver se eu não era maluco. Ele foi por quatro dias e disse: “Beatriz, o garoto sabe tudo o que quer. Vai em frente.”
UMA ROUBADA: Quando você estabelece relações erradas com as pessoas. Quando permite que elas se acomodem nessa relação, vira uma amizade roubada: você gosta da pessoa, mas percebe que ela te vê como um caixa eletrônico. É muito desagradável, porque a relação estraga e vira um ônus na sua vida.
UMA IDEIA FIXA: Sempre relacionadas ao trabalho. Tenho um motor impressionante. Minha cabeça não para de pensar em projetos, e quase todos na concretude. Posso falar de coisas que quero fazer em 2027 e elas ficam rodando na minha cabeça sem parar.
UM PORRE: Bebo muito pouco. Já fiquei alto, mas um porre mesmo é gente chata. Eu recebo grandes porres.
UMA FRUSTRAÇÃO: Queria muito ter feito “Primo Basílio”. Achava que tinha o physique du rôle. Adorava o romance, mas Daniel Filho não me quis e preferiu Marcos Paulo. Achei que Basílio era um dândi louro que vinha de fora. Enfim, como prêmio de consolação ganhei o psicopata de As Noivas de Copacabana, que foi um grande sucesso.
UM APAGÃO: Não tenho apagões nem arrasto corpos do que não me fez feliz. Não carrego restos de relações. Apago. Gente que me fez mal, que não me quis bem ou que aprontou comigo, eu apago.
UMA SÍNDROME: Já tive síndrome do pânico quando jovem e não diagnostiquei, porque naquela época não se falava disso. Fui curado por um esotérico vietnamita em Paris. História fabulosa: ele viu meu horário de nascimento pela raiz do meu cabelo. Disse que nasci às 7h10 da manhã. Acertou. Disse outras coisas que também se concretizaram.
UM MEDO: Não em relação a mim, mas aos colegas, à categoria. Vejo que sou um privilegiado: fiz sucesso cedo, nunca conheci o desemprego. E não é só a questão financeira: ser um artista que não consegue exercer sua arte é assustador. Tenho medo de não poder mais gerar a quantidade de empregos que consigo gerar.
UM DEFEITO: Sei muito o que quero, e isso às vezes é um defeito, porque você não ouve tanto os outros. Com a idade, fiquei mais flexível. Hoje ouço mais, sou mais tranquilo no trabalho. Mas já fui inflexível. Não me orgulho disso.
UM DESPRAZER: Conviver com gente sem empatia, sem olhar para o ser humano, que não tem neurônios-espelho limpos para refletir a grandeza do outro. Não tenho o menor interesse em gente que se acha.
UM INSUCESSO: Já tive alguns, mas não contabilizo. Empacoto os fracassos, deixo na prateleira e vou em busca de um novo sucesso.
UM IMPULSO: Sou impulsivo. Gente de palco é gente extremada. Já dei coisas que não poderia, já fiz demais, já trabalhei demais — tudo por impulso. Mas eles constroem a nossa história.
UMA PARANOIA: Não tenho. Sempre acreditei que o universo conspira a meu favor. Sou o antiparanoico, a Poliana da Ilha do Governador (onde nasci). Ainda jogo o jogo do contente.