Avatar do usuário logado
Usuário
OLÁ, Usuário
Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Imagem Blog

Lu Lacerda

Por Lu Lacerda Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Jornalista apaixonada pelo Rio

Invertida, com Gerald Thomas: “A humanidade está indo privada abaixo”

Ele dirige Danielle Winits em "Choque: Procurando Sinais de Vida Inteligente", baseado no texto da americana Jane Wagner

Por Daniela
19 out 2025, 07h00
sdf
 (João Pimenta/Divulgação)
Continua após publicidade

Se a ideia é levar um choque — de realidade, introspecção ou pura provocação — vá ao Teatro Copacabana Palace, onde fica em cartaz até 2 de novembro o espetáculo “Choque: Procurando Sinais de Vida Inteligente”.  O solo, o 1º de Danielle Winits, é baseado no texto da americana Jane Wagner, com intervenções (e interferências) de Gerald Thomas, que também assina a direção. Uma versão atualizada de um clássico da dramaturgia internacional, agora a assinatura de Gerald: ironias afiadas, mergulhos filosóficos, uma experiência — digamos — elétrica. O público ri, pensa e sai do teatro se perguntando alguma coisa. Uma qualquer! Um espectador resumiu: “A realidade ficou tão absurdamente deslocada que parece loucura.”

A peça anda lotada. Na última semana, um deles era Miguel Falabella — amigo e “mentor” de Winits — e Fernanda Montenegro, ex-sogra de Gerald (ele foi casado com Fernanda Torres de 1991 a 1996). “Converso com Fernanda (Montenegro) todos os dias, não importa onde eu esteja.”

Boa parte da fama de polêmico ou vanguardista (para grande parte, visionário) vem de 1991, quando Gerald chocou o público em The Flash and Crash Days (Tempestade e Fúria). Na peça, mãe e filha, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, atuavam juntas pela primeira vez. Mais falada do que tudo foi a cena da masturbação de Fernanda Torresao lado da mãe. O espetáculo foi encenado em vários países, inclusive no Lincoln Center, em Nova York

Ele rebate o rótulo de “polêmico”. “Significa que o jornalista é preguiçoso. Tudo que as pessoas não conseguem entender é polêmico — e isso não desgrudou mais de mim. Prefiro chamar de ‘discussão’. “Com 16 anos, eu estudava Filosofia e História no Museu Britânico. Comecei a achar que sabia as verdades do mundo — arrogante, claro. Mas sempre quem fala o que pensa vira polêmico, e a hipocrisia reina. Sou convicto do que faço.”

Gerald nasceu em Nova York, veio para o Brasil aos 7 anos e se define como “um artista itinerante”. Atualmente mora em New Paltz, no estado de Nova York, perto de Woodstock, “uma cidadezinha tão quieta que dá pra ouvir os mosquitos imigrantes conversando. É uma delícia — mas às vezes, chato demais”, diz o artista, casado há oito anos com a performer Adriane Gomes.

Só vai embora depois da agenda cheia: o espetáculo “SABIUS, os Moleques”, de sua autoria, estreia em 26 de novembro, no Sesc 14 Bis, em São Paulo.

Continua após a publicidade

Leia sua entrevista:

UMA LOUCURA: Acreditar que um dia o mundo possa ser justo. O mundo não é justo — e jamais será. O cão come cão, o homem come homem, o país come país, religião contra religião… A humanidade se odeia. E é justamente esse atrito que causa o pathos do teatro (apelo emocional — em filosofia, a palavra grega significa sofrimento, paixão, afeto, experiência), da arte, do matrimônio, de tudo.
Imagina um mar sem ondas? A pura inércia. Não teria justiça se não houvesse crime. Uma coisa depende da outra.
Não estudei filosofia à toa.

UMA ROUBADA: Donald Trump — um inimigo de dentro, como ele acusa os outros. E repito isso porque eu sou americano. É onde eu nasci, é onde eu voto, é onde eu pago impostos. E isso me interessa — e deveria interessar ao mundo, porque o mundo, de certa forma, depende da porra dos Estados Unidos.

UMA IDEIA FIXA: Desde que descobri que sou 34% indígena norte-americano (em 2017), tem sido tudo muito misterioso. Falando isso, parece que estou no reino dos excêntricos, mas eu tenho muito pé no chão. Não estou no reino dos esotéricos e tal, mas realmente acredito que, quando estou deitado na cama à noite, meu destino está meio que traçado — porque sempre aconteceu de eu estar no lugar certo, na hora certa. É incrível. Sempre. Assim: estou num lugar, e a pessoa que eu precisava encontrar está lá, naquela hora — nem um minuto antes, nem um minuto depois. Se eu tivesse chegado um minuto depois, não teria encontrado, não teria fechado o contrato, ou tido aquela conversa, ou me apaixonado, enfim, essas coisas. É realmente uma questão de oportunidade. Vou muito às Bahamas e, um dia, naquela fila de turistas indo para a praia, um cara me chamou e disse que eu era índio, com um sotaque forte. Peguei o telefone dele e fiquei chocado com o quanto ele sabia de mim. Fiz um exame de ancestralidade: deu 23% índio americano. Quatro anos depois, refiz — deu 34%. Fiquei completamente bestificado, não num sentido ruim. Visitei uma tribo (nos EUA) que examinou minha mandíbula, todos à minha volta… e comecei a tremer de medo. Eles foram se juntando, começaram a bater o pé no chão e eu pensei: “Caralho, vou ser executado aqui agora.” De repente, o chefe da tribo abre um sorriso e me abraça. Aí todo mundo bate o pé com força, soltam um berro e me batizam ali mesmo, à maneira deles. Foi muito emocionante.

UM PORRE: O passado. Por mais que o glorifiquem, sempre foi ruim — ou bom, ou pior, mas sempre o mesmo. A verdade é que o mundo ocidental vive há 80 anos uma relativa paz desde 1945. Isso é inédito. Claro, temos exceções — Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina, Iêmen, etc. — mas, no geral, vivemos uma calmaria histórica. E mesmo assim, achamos que está tudo pior.

Continua após a publicidade

UMA FRUSTRAÇÃO: Que as forças armadas norte-americanas ainda não deram um golpe e se livraram do thug (que significa ladrão violento, associada a criminosos que estrangulavam as vítimas).

UM APAGÃO: Quando conversei com o autorretrato de Rembrandt, em 2009, em Amsterdã.

UMA SÍNDROME: Estresse pós-traumático por causa do 11 de setembro (2001), que vi da minha janela — e porque sou democrata convicto, cidadão norte-americano. (Gerald relatou os momentos de tensão em tempo real à época e chamou de “uma tragédia proporcional a uma guerra”, que deixaram nele sequelas físicas e psicológicas.)

UM MEDO: De ditaduras.

Continua após a publicidade

UM DEFEITO: Ser um obcecado pelas artes… Como diz Fernanda Montenegro, na contracapa da minha autobiografia: “Quando uma pessoa se apaixona pela própria vocação, não há touro que desvie esse amor do caminho.” Eu me apaixonei cedo — aos 12 anos — pelo teatro e pelas artes plásticas. Sou convicto no que faço. Religioso, talvez — embora ateu.

UM DESPRAZER: Ver que a humanidade está indo privada abaixo. Quanto mais iPhone, Instagram, TikTok… mais burra ela fica. Tenho uma filha de 24 anos que vive enterrada nesse troço. Quanto mais ela vê, menos aprende. E isso chega ao teatro — é frustrante pra quem está no palco. Metade da plateia hoje aplaude com uma mão, porque a outra segura o celular pra filmar, em vez de oferecer ao artista um aplauso. Querem provar que estavam lá — cada pessoa registrando cada cachorro, cada prato, cada suspiro, cada trepada. O universo está coalhado de dados inúteis. Daqui a pouco os satélites vão vomitar tudo isso.
O celular virou um espelho narcísico — selfie pra tudo: no carro, na ponte, comendo, fodendo… E o pior: ninguém mais fala ao telefone. Só se fotografa.

UM INSUCESSO: Muitas das óperas que dirigi na Alemanha — mas a pior foi Narcissus, de Beat Furrer, em 1994 (baseada na história de Narciso e Eco, presente nas Metamorfoses de Ovídio).

UM IMPULSO: Não parar de querer consertar coisas (cenas no palco) que não precisam de conserto… Mas é isso que me move.

UMA PARANOIA: A destruição total de tudo por esse louco sentado no Salão Oval, em Washington. E essa aproximação recente entre EUA e Brasil — aqueles 39 segundos em que ele encontrou Lula na ONU — não é nada além de oportunismo. O Trump descobriu que o “amiguinho” Bolsonaro se ferrou e não serve mais. Então, claro, é melhor fazer as pazes com o inimigo.
Política é isso. Sempre foi.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
15 marcas que você confia. Uma assinatura que vale por todas
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Assinantes da cidade do RJ

A partir de 35,90/mês