Entrevista com o austríaco Roman Krznaric, fundador do Museu da Empatia
No país para uma série de palestras em SP e Rio: "O problema central é o crônico 'curtoprazismo' do mundo moderno"
Se, por um lado, pandemias e tragédias são capazes de mobilizar por um único objetivo, fazer aflorar a empatia, na política o mesmo não acontece, e a polarização explode em agressões gratuitas.
Como as pessoas conseguem interagir com sucesso com quem é completamente diferente delas?
Se existe alguém que pode responder a dúvidas desse gênero, é o filósofo austríaco Roman Krznaric (pronuncia-se Kriz. Ná. Ric), no Brasil desde a última semana, para uma série de eventos; sua última vez por aqui foi em 2017.
Ele é cofundador da The School of Life (fundada em Londres, em 2008, ao lado do escritor suíço Alain de Botton, cuja filial brasileira, em SP, é comandada pela sua prima e empresária Jackie de Botton há 10 anos), referência mundial em empatia, atua como conselheiro da ONU e membro do Clube de Roma, é diretor do Centro de Florescimento e Eudaimonia (alcance da felicidade como finalidade moral) da Universidade de Oxford, criador do primeiro Museu da Empatia no mundo, em Londres, que, desde 2015, já conquistou mais de 350 histórias em 14 países.
Além das palestras, ele veio ao Brasil para lançar o novo livro, “História para o Amanhã” (Editora Difel), onde mostra que as soluções para um futuro sustentável já existem, apontando para os momentos na história dos últimos mil anos em que conseguimos acessar a sabedoria extraordinária de ser humano: a capacidade de cooperação, solidariedade e ação coletiva.
Ele é também autor de títulos como “O poder da empatia”, “Sobre a arte de viver” e “Como ser um bom ancestral”, todos com foco no poder das ideias para criar mudanças positivas no Planeta.
Na terça (03/12), Roman Krznaric estará na CASA20, no Jardim Botânico, às 14h, para uma conversa sobre as inspirações do passado para o futuro da humanidade.
Já, no dia seguinte, participa do evento gratuito “Palestra sobre esperança para o amanhã”, no Museu do Amanhã, no Centro; quinta e sexta (05 e 06/12), volta a São Paulo para eventos na Unibes Cultural e na The School of Life SP.
A coluna conversou com o filósofo sobre a urgência e necessidade da empatia — ele sempre oferece bons momentos quando começa a falar. “Alguém como Krznaric faz parte da mais alta hierarquia da sensibilidade”, disse uma jornalista. E, você, o que acha?
Leia sua entrevista.
1 – Nos últimos anos, o mundo está presenciando uma polarização, principalmente na política. Em 2015, quando você criou o Empathy Museum, já imaginava que isso poderia acontecer nesse nível? Como lidar com isso?
Certamente é verdade que os níveis de polarização parecem estar aumentando. Recentemente, vi dados mostrando que o Brasil é uma das nações mais politicamente polarizadas do mundo. Quando criei o Museu da Empatia, não previa essa intensidade, mas, em 2016, durante o referendo do Brexit no Reino Unido, isso começou a ficar evidente. Descobri um projeto digital brilhante para lidar com a polarização, chamado My Country Talks (“O meu país fala”). Ele começou na Alemanha, onde um jornal pediu, às pessoas, que respondessem a uma pesquisa online sobre suas opiniões políticas. Depois, apareceram pessoas com visões opostas para conversar entre si. Mais de 100 mil pessoas já participaram, e um estudo de Harvard mostrou que 90% conversam por mais de uma hora e 30%, por mais de duas horas, enquanto os níveis de polarização caem cerca de 75%. Parece ser um projeto que poderia ser útil no Brasil – e também no Reino Unido, onde moro.
2 – A teoria sobre empatia é maravilhosa, mas dizem que ou você tem empatia, ou não. Como aprender a ser empático? Como ensinar a alguém o básico, que é a habilidade psicológica de sentir o que outra pessoa sentiria na mesma situação? Em sua experiência, é possível ensinar isso? Como? (Você tem exemplos?)
Empatia pode, sim, ser ensinada! Mas é importante distinguir dois tipos de empatia. O primeiro, empatia afetiva, consiste em espelhar as emoções de alguém; por exemplo, se você vê a angústia no rosto de uma criança e sente essa angústia também. O segundo tipo, empatia cognitiva, é quando você tenta se colocar no lugar de outra pessoa, entendendo seus sentimentos, experiências e perspectivas. Esse segundo tipo é o mais fácil de ensinar. Um dos programas mais bem-sucedidos de ensino de empatia é o Roots of Empathy; mais de um milhão de crianças no mundo já participaram dele. No programa, um bebê é levado a uma sala de aula com crianças de 5 a 12 anos. O bebê, acompanhado de um dos pais e um instrutor, interage com as crianças, que são incentivadas a refletir: por que o bebê está chorando? Por que está olhando para o pai? Isso os ajuda a “calçar os sapatos” do bebê. Essas visitas abrem discussões sobre temas, como bullying e desigualdade. Para ensinar empatia, o ideal é começar cedo.
3 – Você acha que estamos falhando como sociedade global? Onde a humanidade errou?
Essa é uma grande questão! No meu livro mais recente, “Como Ser um Bom Ancestral”, argumento que o problema central é o crônico “curtoprazismo” do mundo moderno. Vivemos na tirania do agora, em que políticos mal olham além da próxima eleição, empresas se preocupam apenas com o relatório trimestral e a maioria de nós está ocupada, olhando para o celular e clicando em “Comprar agora”. Esse foco no curto prazo dificulta a resolução de problemas fundamentais de longo prazo, como preparar-se para a próxima pandemia, lidar com os riscos de novas tecnologias, como IA, enfrentar desigualdades econômicas e raciais e, claro, enfrentar a emergência ecológica global.
4 – A The School of Life foi fundada em 2013; desde então, você participou de eventos importantes e aprendeu muito sobre nosso país. Qual é a maior diferença entre os brasileiros, especialmente os cariocas, e o resto do mundo?
Escrevi um livro sobre a arte de aproveitar a vida, “Carpe Diem: Resgatando a Arte de Aproveitar a Vida”, e fiz uma seção especial sobre o Brasil! Na minha experiência, não há outro lugar no mundo onde as pessoas tenham uma capacidade tão incrível de viver o momento presente. Também notei, nas duas vezes em que estive no Brasil, que os cariocas dominam essa arte como ninguém.
5 – E o seu português? Aprendeu algumas palavras de que gostou?
Eu falo espanhol. Morei em Madri e escrevi minha tese de doutorado sobre política na Guatemala, então arranho um pouco de “portunhol”. Adoro como os brasileiros colocam “inho” no final de tantas palavras. Minha favorita é “cafezinho” – talvez porque sou viciado em café!
6 – Recentemente tivemos o G20 aqui, com muitas conversas sobre mudanças climáticas (responsabilidade dos homens). Você acredita que essas reuniões, onde quer que sejam realizadas, resolvem alguma coisa? Por quê?
Não tenho muita fé nesses grandes congressos internacionais, especialmente quando se trata de mudanças climáticas. Ocasionalmente, eles conseguem avanços significativos, como o Acordo de Paris na COP21 em 2015. Espero que a COP30 no Brasil, no próximo ano, traga progressos igualmente importantes. Na verdade, acredito mais em mudanças que vêm do nível local, como cidades, do que de nações inteiras. Amsterdam, por exemplo, que proibirá carros movidos a combustíveis fósseis na cidade, a partir de 2030, afirma que sua economia será 100% circular – basicamente sem desperdício – até 2050. Esse é o tipo de modelo que realmente me inspira.
7 – Na COP30, no próximo ano, você liderará um projeto chamado A Mile in My Shoes. Explique sua ideia.
A Mile in My Shoes é um projeto que faz parte do Museu da Empatia. Ele assume a forma de uma grande caixa de sapatos em que você pode entrar, e alguém lhe dá um par de sapatos pertencente a um estranho, como um refugiado sírio, um monge budista ou um ativista ambiental. Você literalmente caminha uma milha com os sapatos dessa pessoa enquanto ouve uma narrativa em áudio, com ela falando sobre sua própria vida em suas próprias palavras. Já coletamos centenas de pares de sapatos e histórias ao redor do mundo e trouxemos esse projeto para São Paulo em 2017, onde tivemos quase 10 mil visitantes. Para a COP30, estamos trabalhando com a organização cultural brasileira Intermuseus para exibir esse projeto com uma coleção de novos sapatos e histórias que planejamos coletar na Amazônia.
8 – Atualmente, as pessoas se sentem sobrecarregadas, cansadas, acreditam que nada pode mudar e que o sistema é grande demais para se enfrentar. Como podemos mudar essa mentalidade? O que você faz para ter equilíbrio e ainda pensar nos outros?
Quando me sinto sobrecarregado e penso que nada pode mudar – e às vezes realmente me sinto assim –, lembro-me de duas pequenas palavras: “como se”. O que quero dizer é que sempre devemos agir “como se” a mudança fosse possível, porque é isso que alimentou algumas das mudanças mais transformadoras da história humana. Aqueles que lutaram contra o colonialismo britânico na Índia provavelmente achavam que a tarefa era impossível, mas agiram como se pudessem ter sucesso, mesmo quando as probabilidades estavam contra eles. E eles foram bem-sucedidos.
9 – O Brasil é considerado o país com mais casos de ansiedade no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). O que você diria sobre isso? E, como estrangeiro, acha que as pessoas veem o Brasil de forma diferente, como o país do carnaval e das pessoas amigáveis? O que você pensa sobre isso?
Eu não sou psicoterapeuta, então realmente não sei a resposta para a questão do que está na raiz dessa ansiedade. Ansiedade pode ter muitas causas diferentes, desde a falta de amor parental nos primeiros anos de vida até as altas expectativas que muitas vezes colocamos sobre nós mesmos em relação ao sucesso em nossos relacionamentos ou carreiras. Meu palpite é que países com altos níveis de desigualdade de riqueza – como o Brasil – também podem ter uma propensão a altos níveis de ansiedade. Há um livro muito importante chamado “O Espírito da Igualdade” (The Spirit Level), que apresenta dados estatísticos convincentes mostrando a correlação entre desigualdade de riqueza e problemas de saúde mental.
10 – Com base no seu novo livro, que histórias você quer contar para o amanhã? Há motivos para ter esperança?
O novo livro trata de encontrar esperança no passado, que possa nos ajudar a lidar com os problemas de hoje, desde a crise ecológica até os riscos da inteligência artificial. Existem tantas histórias que eu mal sei por onde começar – você terá que ler o livro! Mas posso dizer que há exemplos que vão do Japão antigo à Espanha medieval, revelando como, repetidas vezes, as sociedades humanas se levantaram, muitas vezes contra todas as probabilidades, para superar crises e enfrentar injustiças.
11 – O que você quer dizer quando afirma que precisamos de uma rebelião do tempo?
Acredito que a humanidade colonizou o futuro. Tratamos o futuro como um posto colonial distante, onde podemos livremente despejar degradação ecológica e riscos tecnológicos, como se não houvesse ninguém lá. Ser um rebelde do tempo é engajar-se em uma luta contra essa colonização e reconhecer que o futuro está repleto de bilhões de pessoas que serão impactadas pelas consequências de nossas decisões hoje. Devemos sempre manter essas futuras gerações em nossas mentes e agir como bons ancestrais.
12 – O que você espera dessa estada no Brasil e, por favor, deixe uma mensagem para os cariocas!
Sempre vi o Brasil como um país de agentes criativos de mudança, cheio de pessoas que querem se envolver na construção de uma sociedade melhor. Espero que as mensagens que tento transmitir em meus livros e palestras públicas enquanto estiver aqui ofereçam um pouco de inspiração para todos vocês. E minha mensagem para os cariocas é simples: por favor, não me deixem beber muitas caipirinhas enquanto estiver na sua linda cidade!