Entrevista com Carlos Prazeres: o maestro inventivo
Em 2025, a Osba faz um espetáculo em homenagem aos 40 anos da Axé Music
Carioca, Carlos Prazeres vive a música desde a infância – é filho do maestro Armando Prazeres (1934-1999), que criou a Petrobras Sinfônica, e de Manoela, cantora lírica, sobrinho do produtor cultural Perfeito Fortuna, um dos criadores do Circo Voador e responsável pela Fundição Progresso, e irmão de Felipe Prazeres, maestro do Theatro Municipal do Rio. Tinha saída? Rsrsrsrsrsrs.
Em 1997, Carlos ganhou uma bolsa para a Academia da Filarmônica de Berlim. Dali a dois anos, o pai foi assassinado depois de um sequestro-relâmpago; ele não chegou a tempo para o funeral. No meio da tragédia, voltou para a Alemanha, concluiu os estudos e voltou ao Brasil como oboísta em algumas orquestras. Em 2005, resolveu estudar para regente.
Ele dá adeus a 2024, completando 50 anos de idade e 30 de carreira, com uma trajetória de vanguarda ao atrair centenas de jovens para seus concertos e como diretor artístico de três orquestras: as sinfônicas da Bahia (há 13 anos) e de Campinas (que assumiu em 2022) e do festival “Música em Trancoso”, além de atuar como maestro do projeto “Prudential Concerts”, assinado pelo produtor cultural Rafaello Raimundo. De quebra, ainda foi convidado para ser o diretor artístico da Orquestra Light da favela da Rocinha em 2025.
Os mais puristas podem empinar o nariz para as tantas invencionices de Prazeres, como misturar a música de concerto ao samba ou MPB, democratizando o que sempre foi, digamos, elitista. Proporcionar o acesso à música sinfônica é uma missão que ele leva muito a sério.
Segundo pesquisa da BBC de Londres sobre o que o público gostaria nos concertos, entre as respostas mais citadas, estão que o maestro se dirigisse à plateia e que a apresentação não passasse de 1 hora – ele está atento aos sinais!
Prazeres nasceu na Tijuca, morou em vários bairros do Rio e, quando era “garoto de Ipanema”, foi chamado para assumir a Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba). Com ela, conseguiu fazer os baianos pirarem com projetos, por exemplo, o CiceConcerto, dando novos arranjos para trilhas de filmes, ou a Osbrega, concerto com sucessos românticos da MPB, com ingressos sempre esgotados que lotam espaços, como a Concha Acústica. A relação é tão boa que ele chama os fãs soteropolitanos de “público-crush” – e a cidade retribuiu ao conferir-lhe, em 2015, o título de cidadão baiano honorário e, em 2021, o de cidadão soteropolitano. Ele não perde uma pipoca no carnaval, entre todas as outras festas populares.
Em 2025, já tem um espetáculo na agenda em homenagem aos 40 anos da Axé Music, envolvendo Luiz Caldas, Manno Góes, dentre outros, no que ele promete ser um momento histórico.
É dele também a ideia da turnê “Belchior Sinfônico”, que começou em Salvador, passou pelo Rio e terminou em Campinas este mês. “É um artista imenso, que, com sua música e mensagem, arrebata nossos corações. Queríamos devolver simbolicamente a majestade que, no fim dos seus dias, lhe foi dada, de certa forma”, diz.
Em três décadas, dividiu o palco com Antonio Meneses, Nelson Freire, Heléne Grimaud, Ilya Kaler, Gilberto Gil, João Bosco, Ivan Lins, Stanley Jordan, Milton Nascimento, Hamilton de Holanda, Yamandú Costa e assim vai.
1 – Você é carioca, tem título de cidadão baiano honorário desde 2015 e título de cidadão soteropolitano desde 2021, e é também titular da Orquestra Sinfônica da Bahia e diretor da Orquestra Sinfônica de Campinas. Pra você, o que mais lhe marcou ou marca em cada uma dessas cidades e qual a principal diferença delas?
Eu entendo uma orquestra sinfônica como um prolongamento da sociedade. Quando cheguei à Bahia, mergulhei fundo e fui buscar a essência daquele povo, até para que a população sentisse, na figura da sinfônica, uma sensação de prolongamento, e não a figura de um elemento civilizador. Assim, também o fiz em Campinas e tem dado bons resultados — concertos lotados e público apaixonado porque se sente representado pela sua sinfônica. Tenho que me exercitar para entender cada uma dessas sociedades tão diferentes. Salvador é forró; Campinas, Rock and Roll; Salvador é progressista; Campinas, conservadora; Salvador suprime o R das palavras enquanto Campinas o prolonga. É fascinante vivenciar este Brasil que precisa caminhar junto, complementando-se culturalmente, apesar de tantas diferenças.
2 – Para muitos, você é o responsável por inserir a música de concerto na Bahia. Acredita que isso fosse possível sem o mix com o popular?
Acho que o popular foi uma excelente ferramenta para criar na sociedade esta sensação de pertencimento. Um exemplo? O São João e o Carnaval na Bahia; lá temos o São João Sinfônico e o Baile Concerto, respectivamente. Já em Campinas, o flerte de Belchior com o Rock (sobretudo nas releituras de Elis Regina) se traduziu em um match imediato com o público. Mas concertos assim estão inseridos, no máximo, de 5 a 10 por cento da temporada. Muitos ouvintes conhecem a orquestra através deles e se tornam melômanos de Bruckner e Mahler, por exemplo. É uma isca deliciosa de se jogar para esperar o imenso cardume que chega apaixonado aos concertos clássicos.
3- Você também assumiu a direção artística da Orquestra Light Rocinha este ano…
É um projeto lindo que trabalha com jovens músicos da Rocinha e Vidigal. Lá, utilizarei minha experiência de 30 anos no mundo musical para ajudar nos caminhos dessa nova e promissora instituição. Henrique Machado, um maestro jovem e de muita excelência, estará à frente da batuta desse projeto. Juntos, queremos levar essa orquestra a ganhar o Brasil: um desafio e tanto.
4 – O que aprendeu com seu pai e do que mais sente falta?
Meu pai é uma enorme inspiração, sob diversos aspectos. Era um maestro que não se cansava de correr atrás de seus sonhos, até o último dia de sua vida. Seu maior legado foi a Orquestra Petrobras Sinfônica, hoje uma das principais orquestras do país. Fico pensando que eu, ele e meu irmão, o maestro Felipe Prazeres, podíamos estar jantando juntos e comentando sobre interpretações, novas peças, músicos, maestros; enfim, o céu seria o limite. Quando meu pai morreu, vítima de um sequestro-relâmpago em 1999, no Rio, nem eu, nem Felipe éramos maestros, mas esses encontros já aconteciam. Não tenho dúvida de que vão voltar a acontecer algum dia. Tenho certeza de que ele estaria orgulhoso de aonde chegamos.
5 – Você é polêmico para alguns (elitistas) e abraçado pelo público. Você já sentiu alguma empinada de nariz nesse meio?
Na verdade, não creio que eu seja polêmico nem para os elitistas. Quando se aprofundam e conhecem meu trabalho de verdade, enxergam que sou um apaixonado pela música de concerto e que a levo a todos os cantos, sem barreira alguma. Compositores, como Bruckner Messiaen, Berg, entre outros, são figurinhas fáceis na programação das orquestras que dirijo; por isso, não me aprofundo nessa pauta. Sei que a fake news difundida de que eu estaria “deixando de fazer Beethoven para fazer música pop” vem de gente triste e invejosa, que precisou criar este factoide para, de alguma forma, desmerecer o meu trabalho. E quanto mais sucesso, maior a reação dessas pessoas, infelizmente.
6 – No concerto de encerramento do G20 na Bahia, você confirmou a nova edição da “Osbrega”, que estreou em 2023 e caiu no gosto popular. Por que você acha que virou polêmica?
Virou polêmica, como disse acima, porque fez sucesso, porque dialoga com uma imensa camada da população, transformando a Osba num ícone pop da cidade; e inclui-se no sentido da palavra “pop”, a música de Bach, Beethoven, Bruckner, Villa, etc… Isso gera muito ciúme e inveja. Na verdade, queriam ter tido essa ideia, mas estão muito presos em copiar estereótipos europeus e nem sequer enxergam seu próprio entorno. Criei o OsBrega inspirado no documentário “Vou rifar meu coração”, da genial Ana Rieper. Ali pude entender o meu país e seus rincões mais distantes, através da música. Emprestar arranjos sinfônicos elaborados aos ícones musicais dos porteiros, caminhoneiros, da trilha dos cabarés, das churrascarias de beira de estrada é algo pra lá de fascinante.
7 – Outro espetáculo na agenda da Osba para 2025 é a homenagem aos 40 anos da Axé Music. Como vai ser isso?
Como uma orquestra conectada à sua sociedade, a Osba não poderia se furtar a homenagear os 40 anos deste fenômeno chamado axé music. Será uma linda homenagem envolvendo Luiz Caldas, Manno Góes, dentre outros. Não deve rodar o país, mas a Bahia viverá um momento histórico. Ainda tenho muitas ideias, mas um sonho seria percorrer o sertão baiano com a nossa orquestra, levando nossa música para as populações ribeirinhas, povoados que nem sequer imaginaram assistir a uma orquestra na vida. Montar as estantes no chão de terra e observar a expressão das pessoas. Tenho certeza de que nossa música vai entrar no coração delas. Em Campinas, meu sonho é transformar a cidade num polo de ópera. Sua colonização italiana daria um enorme match com esse projeto, e ele está bem próximo de acontecer com a reforma do Centro de Convivência.
8 – São 50 anos de idade e 30 de carreira. Se fosse resumir sua vida e carreira, como seria?
Como bom brasileiro, digo que 99% dessa minha estrada foi na base da luta e da abnegação. Hoje, no entanto, não consigo esconder o sorriso ao ver que as duas instituições das quais estou à frente, terão sedes apropriadas para a música sinfônica: o teatro Castro Alves e o Centro de Convivência de Campinas. Ambos estão sendo reformados seguindo moldes específicos para que a orquestra sinfônica se sinta no seu habitat. É, atualmente, um enorme presente e uma imensa alegria. Os recentes concursos preencheram essas instituições e vão dar-lhes vida. Isso só se deu porque, em ambos os casos, as orquestras são orgulhosas de sua sociedade por estarem profundamente conectadas a ela.
9 – O que vem por aí em 2025? Algo para o Rio?
Em Campinas, “Gonzaguinha Sinfônico”; na Bahia, “Osba Toca Raul “, ambos completando 80 anos de morte em 2025. Muito Bruckner, Mahler Shostakovich, Villa-Lobos e tudo que a gente ama na música sinfônica, basta se ligar nas redes @orquestrasinfonicadabahia e @sinfonicadecampinas que já a gente posta!
10 – Com quem amaria trabalhar e por quê?
Carminho e Zambujo, porque, como bom filho de portugueses, sou apaixonado por fado. Vale dizer também que amo trabalhar com quem trabalho. As secretarias de Cultura da Bahia e de Campinas são instituições profundamente conectadas com os anseios de suas sociedades. Eu sou, como diria Belchior, um sujeito de sorte!