De Próprio Punho, por Kakay (advogado): “Jamais seria juiz ou promotor”
Eu sempre quis ser poeta: quando morava no interior de Minas Gerais, a poesia era minha grande companheira

Eu sempre quis ser poeta: quando morava no interior de Minas Gerais, a poesia era minha grande companheira. Tinha um tio poeta que gostava de improvisar, de fazer repentes nos bares, nas festas. E eu passava as noites cantando, recitando, improvisando. Eu decorava as poesias e, quando me mudei para Brasília, declamava nos bares, especialmente no Beirute, como se fossem minhas. Não eram publicadas e não havia Internet. À noite, virávamos todos poetas.
Eu amava Pessoa na pessoa do Caeiro e sempre repetia: “Ser poeta não é uma ambição minha — é a minha maneira de estar sozinho.” E junto com a poesia, em Brasília, fui exercer minha outra paixão: a advocacia criminal. Eu nunca quis ser nada além de advogado criminal. Minha paixão pela liberdade fez com que eu aproximasse a poesia da advocacia. Na advocacia criminal, a gente aprende a exercer a capacidade de ser solidário e buscar a Justiça. Sempre me amparava na Cecília Meireles: “Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.” Advogar passou a ser meu espaço no mundo; a advocacia me deu o que prezo muito: a capacidade de ter voz. Como sou uma pessoa com forte sentimento humanista, as diferenças e as desigualdades mexem muito comigo. Resolvi então me envolver nas causas que me alimentam, buscando sempre a igualdade e a justiça social. Só consigo me envolver com quem tem o mesmo sentimento do mundo, que busca e luta pela fraternidade. Por isso, faço da minha advocacia uma maneira de estar no mundo. Jamais seria juiz ou promotor.
Lembro-me no primeiro governo Lula, conversando com ele pouco antes da posse, junto com o Zé Dirceu e o Marcio Thomaz Bastos, quando ele me perguntou: “Tem algum cargo que você gostaria?” E eu respondi: “ex-ministro do Supremo!” Nada se compara à liberdade de ser advogado. E ter a causa da democracia como minha maior causa é o que me faz ser feliz e continuar lutando. Como nos ensina o velho Manoel de Barros: “Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.”
Por isso, é muito gratificante ver todo o envolvimento do Lula, 22 anos depois da primeira posse, na mesma luta pelo estado democrático de direito. Passamos um momento grave com os quatro anos de um governo de extrema-direita no país. As eleições de 2022 eram fundamentais para a volta da democracia. O Presidente Lula disse na minha casa, no dia 12 de dezembro de 2022, dia da sua diplomação como Presidente da República, que só saiu candidato porque era o único capaz de vencer o fascismo. Para tanto, teve que fazer uma aliança muito ampla, senão não ganharia. Era a disputa da barbárie contra a civilização. Ganhou a democracia. Mas nunca imaginamos que o estado democrático de direito seria testado com uma tentativa de golpe de estado. Resistimos e continuaremos a resistir — em nome da liberdade, em nome da Constituição.
Cada um cumpre um papel nesta hora, de restabelecer e fortalecer as instituições. Como advogado, sigo acreditando que é possível sonhar por um mundo mais justo, mais solidário e mais igual. É a minha contribuição para um país melhor. Lembrando o mestre Mia Couto: ”O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos: para nos fazer parentes do futuro.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é advogado criminal