De Próprio Punho, por Bia Bottesi: “O não tem um poder transformador”
Durante muito tempo, achei que agradar era sinônimo de ser forte, competente, bem-sucedida. Dizia sim a tudo...

Durante muito tempo, achei que agradar era sinônimo de ser forte, competente, bem-sucedida. Dizia sim a tudo: a reuniões e eventos nos quais eu não precisava estar, a metas inalcançáveis, a padrões que não eram meus. Dizia sim por medo de desapontar, por querer ser aceita, por querer provar — a mim mesma e ao mundo — que eu era capaz.
No início da minha carreira, recebi um não que mudou tudo — era meu sonho trabalhar no Grupo Pão de Açúcar. Fui a uma entrevista final com Abilio Diniz. Depois de um longo processo seletivo, me preparei, fui pronta, e ele disse que não. Não fui escolhida. Saí arrasada. Mas hoje, com a perspectiva do tempo, vejo que aquele não me empurrou para a estrada certa. Foi ali que minha trajetória tomou outro rumo: um rumo que me trouxe até aqui, com orgulho do caminho que construí, das empresas onde trabalhei, dos aprendizados, das conquistas — e, principalmente, da pessoa que me tornei no processo.
Esse episódio me ensinou que o não tem um poder transformador. Pode doer no momento, mas abre espaço para algo maior. Anos depois, já como líder da Meta na América Latina — função que exerço há seis anos —, compreendi que o não pode ser um dos maiores atos de coragem: dizer não ao que nos afasta da nossa essência; não ao excesso; não à expectativa do outro. E, principalmente, não à ideia de que precisamos nos moldar o tempo todo, para caber em lugares que não foram feitos para nós.
Quando tive meu segundo filho, repensei ainda mais minhas prioridades. A vida profissional intensa seguia, mas havia um chamado novo — interno, profundo — para reequilibrar. Não dá para ser tudo, para todos, o tempo todo. E tudo bem: o que importa é ser inteira onde se está — na maternidade, no trabalho, nas relações. E isso exige escuta. Escuta verdadeira, aquela que não antecipa a resposta, que não se apressa em resolver, que acolhe o que vem — mesmo que seja um não ou uma mudança radical de rota.
Hoje, meu maior compromisso como líder é construir uma cultura mais humana, uma liderança que não tem medo de dizer: “Eu não sei”. “Isso eu não dou conta”. “Assim não faz sentido”. Que não tenta agradar o tempo todo, mas que busca ser verdadeira. Uma liderança que cria espaços onde o erro é permitido, onde o cansaço pode ser acolhido, onde a vulnerabilidade é potência.
Por isso, hoje, não apenas aceito os nãos que recebi — eu os celebro porque foram eles que me moldaram, que me empurraram para onde eu precisava estar, mesmo sem que eu soubesse na hora. E que, no fundo, o não certo, na hora certa, não é um fim — é o começo daquilo que realmente importa.
Beatriz Bottesi é apaixonada por marcas, pessoas e é reconhecida como uma das principais vozes femininas pela equidade no mercado. Líder de Marketing da Meta na América Latina, já ocupou o mesmo posto em outras grandes empresas: Red Bull, Nike e Coca-Cola. Com 24 anos de experiência, foi eleita uma das Top 10 CMOs pela Forbes, além de receber reconhecimentos como Women to Watch e Profissional de Marketing Revelação pela AdLatina e Propmark.