Crônica, por Eduardo Affonso: Viajar, voar…
Comprar passagem aérea virou uma corrida de obstáculos, um corredor polonês
Comprar passagem aérea virou uma corrida de obstáculos, um corredor polonês, um passeio a pé pelo Centro do Rio com o celular na mão e a carteira no bolso de trás.
Nos tempos da Panair, da PanAm, da Vasp, da Varig, da Transbrasil (pesquisem no Google), a gente ia até a agência de viagens, dizia para onde queria ir e em que data. O atendente digitava as informações numa geringonça chamada “terminal”, perguntava se queríamos corredor ou janela, emitia o bilhete (sim, era esse o nome da passagem) e a gente guardava aquele papelzinho como se fosse um cheque ao portador (pesquise no Google também, na seção de antiguidades, o que era um cheque — e ao portador).
Com a tecnologia, é possível acessar o aplicativo da companhia aérea e começar a via crucis sem sair do recesso do seu lar.
Escolhidos a companhia, o destino, a data e o horário, começa a extorsão, digo, a negociação.
Se quiser marcar o assento (mais à frente para desembarcar primeiro, mais atrás para ter alguma chance de escapar em caso de acidente; na janelinha para ver a paisagem e evitar que a pessoa ao lado puxe assunto, no corredor para não ter de pedir licença quando for ao banheiro), tem de pagar uma taxa. Caso contrário, a companhia te aloca na poltrona do meio, entre uma criança birrenta (pleonasmo, hoje em dia) e um day trader que tentará te convencer de que não há salvação fora das criptomoedas.
Quer furar as 17 filas de prioridades (idosos, gestantes, gestantes idosas, pessoas com deficiência, portadores do cartão fidelidade, aniversariantes do mês, capricornianos canhotos etc.)? Basta pagar uma taxa extra e você terá direito a embarcar no Grupo Alpha Prime.
Bagagem despachada é paga à parte. Não tem nada para despachar, e vai só com bagagem de mão? Por uma módica quantia, você terá precedência para usar o compartimento superior – caso contrário, a mochila vai no chão (ou terá de ser despachada com aquele carinho que as companhias aéreas dedicam aos pertences que lhe são confiados).
Dependendo do trajeto, o lanche (um cream cracker e 25 ml de refrigerante) é cortesia. Mas não vai demorar muito para que você tenha de pagar pelo guardanapo, o copo descartável e os 10% do serviço.
Faz uma semana que não compro passagem aérea, mas tenho até medo de acessar novamente o app e descobrir que incluíram a opção de reclinar a poltrona durante o voo, mediante uma taxa de reclinagem, e o direito de apoiar o cotovelo no braço do assento – que pode ser no débito ou no crédito. Vai usar o lavabo? Lavar as mãos depois? Secá-las? As três taxas estarão discriminadas no aplicativo, e, para sua conveniência, também podem ser pagas no momento da utilização – mas não se aceita cartão.
Havendo treta a bordo (e isso parece ter se tornado mandatório), é possível contratar o wi-fi para postagem imediata do vídeo e, quem sabe, você já desembarca como subcelebridade – se mocinho ou vilão, a companhia é quem decide.
O ar condicionado, por questões operacionais, ainda está incluído no preço da passagem. Mas assim que começarem a operar as aéreas low cost, prepare-se para ter saudade de quando pagava para escolher o assento. Porque a taxa passará a ser para não estar entre os 200 que vão em pé.
E, na fuselagem, sob a imagem de uma gaivota estilizada, o slogan nos convidará: “Voe pelos ares com a gente!”.
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