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Lelo Forti

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As dez vidas de um barman

As faces reais e as lendas da carreira de um bartender

Por Lelo Forti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 7 dez 2020, 14h37 - Publicado em 6 out 2020, 13h06
Uma dose de carinho, uma pitada de amor e um dash de paixão. Cocktail pronto.  (divulgacao internet/Divulgação)
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Em outubro é celebrado o Dia Mundial do Bartender, aquele cara que fica atrás do balcão do bar, misturando bebidas, abrindo garrafas e que muitas pessoas ainda insistem em chamar de garçom, ou, ainda pior, assobiam como se estivessem num estádio ou chamando o cachorro pra passear. Todas as profissões possuem uma data comemorativa, um dia para celebrar e enaltecer o esforço e a carreira, mas, por mais estranho que possa parecer, ser um bartender ou barman (é a mesma coisa ok?), tem uma trajetória histórica baseada em acasos, guerras, navegações, pirataria e muitas lendas cinematográficas.

Desde que o homem aprendeu a dominar o fogo, os hábitos de consumo de alimentos nunca mais foram os mesmos. Foi através do fogo que o homem descobriu (talvez por acaso) que aquecendo alimentos ricos em açúcares era possível extrair um elixir diferente, um líquido que alterava os sentidos e trazia uma alegria extraordinária e um relaxamento quase anestésico. Na África selvagem, os elefantes e os macacos se alimentam de uma fruta chamada “Marula” e seu consumo em grandes quantidades trazem essa sensação real aos animais após a “refeição”. A fruta em questão é a base para o mundialmente famoso licor de Amarula, mas a reação dos animais é algo bem simples: essa fruta é rica em açúcares e sua fermentação é rápida e acontece no estômago, criando um teor alcoólico bem baixo, porém suficiente para colocar um elefante para relaxar. Sabe por que é proibido levar abacaxi e uvas para um presídio? Porque essas frutas são de fermentação extremamente rápida e isso possibilita aos detentos extraírem álcool destes alimentos, a famosa “aguardente de cadeia”. Coisa incrível.

A título de conhecimento, o álcool é produzido pela fermentação de açúcares. Simples assim. Já a graduação alcoólica precisa de um processo de destilação, mais complexo, porém também simples. Os relatos a seguir são históricos, fantasiosos, verdadeiros, lendários e talvez, alguns mentirosos, afinal, ao longo da nossa história, muitas foram as mentiras contadas por gerações que podem ter se tornado verdades absolutas.

Hollywood é um dos maiores responsáveis pela glamourização do álcool e da profissão do barman. Muitas vezes pode até passar despercebido aos olhos do espectador, mas milhares de filmes possuem cenas em bares e restaurantes, seus personagens consumindo álcool das mais diversas formas. Os seriados atuais são quase que na sua totalidade exibidos em bares americanos e ou europeus, e o consumo de álcool, ou melhor, de cocktails, é algo infinitamente necessário para o desenrolar da trama. Seja do vilão para tomar coragem antes de um ataque, ou do mocinho após uma vitória ou conquista. O Seriado “Sex and the City” que o diga. O empoderamento feminino é celebrado com Cosmopolitan, Apple & Dry Martini. Nos anos 80, Tom Cruise, (em início de carreira), protagonizou o filme “Cocktail”, o que para muitos amantes da coquetelaria foi um grande divisor de águas do século XX para a carreira.

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Mas nem sempre foi assim. Se hoje você é atraído para um bar, um balcão charmoso e cheio de instrumentos bacanas e aromas maravilhosos, no passado, a “barra” era frequentada por soldados em busca de algo forte e quase intragável para “curar” alguma mazela de batalha. Os piratas consumiam doses diárias de Rum, tudo para suportar o frio, as infinitas horas de trabalho e para encorajar ataques e saques contra navios nos sete mares . Reza a lenda que Napoleão Bonaparte exigia que todo seu front consumisse doses de “Cognac” antes da batalha. Se for verdade, nunca saberemos, mas sabe se que ele conquistou a Europa e para isso precisou de um exército imenso e muita, muita coragem. Um dos efeitos alcoólicos.

1806

Há quem defenda que a Guerra Civil Americana foi importante para o desenvolvimento da profissão e que contribuiu diretamente para uma mistura alcoólica se chamar “Cocktail”. Quando eu estive em New Orleans, passei o dia todo no “The Museum Of The American Cocktail”, que guarda toda a história, seus instrumentos e personagens que construíram essa profissão tão interessante, apaixonante e por vezes odiada. Uma das versões mais conhecidas da história relata a uma taberna onde uma tal Betsy Flanagan, filha de um taberneiro, servia aos soldados franceses diferentes estilos de bebidas e que para diferenciar uma bebida da outra usou penas do rabo (Cock) de um galo (Tail), e assim ninguém se confundia. Essa ação resultava em brindes ensurdecedores aos berros de “Vive El Cocktail”. Melhor do que ser verdade é o fato que, em 1806, o “The Journal”, publicou uma manchete, afirmando que, para se ter um cocktail, sua composição deveria conter um álcool, um doce, um amargo e uma água, ou seja, “uma mistura para aliviar a alma e aquecer o coração”.

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Em 1860 surge Jerry Thomas, o “pai” da coquetelaria, e o primeiro bartender a publicar um livro de receitas “The Bartender’s Guide”. Foram suas experiências e seus estudos que o transformaram numa lenda. Seus métodos e muitas de suas misturas são reproduzidas, reinventadas ou homenageadas pela comunidade de bares mundo afora. Se hoje você percebe um bartender hospitaleiro e muito bem vestido, cheio de técnicas e de conhecimento de causa, deve se aos rituais e ensinamentos do “pai” Thomas.  Sua base foi muito importante durante o período da Lei Seca Americana (1920/33). Foram nestes treze anos que nasceram muitos dos cocktails clássicos que consumimos atualmente. Os bartenders deste período sombrio da historia deixaram um legado e um aprendizado muito importante que usamos até hoje. A profissão já foi marginalizada, debochada e tratada por muitos clientes, contratantes e até mesmo por profissionais como um subemprego, um gancho para “levantar um trocado” para o aluguel ou para pagar a faculdade, afinal, onde ganhar relativamente bem, à noite, sem muito “estudo”? Infelizmente esse pensamento ainda persiste na cabeça de alguns.

Graças a muitas gerações de profissionais, hoje a profissão é valorizada, e remunerada adequadamente com suas funções, e cada vez mais se exige profissionalismo, competência, hospitalidade, conhecimento e paixão. Coquetelaria é muito mais do que misturar bebidas. É um ato de cuidar das pessoas. É respeitar o álcool, suas misturas e efeitos. É entender de filosofia, matemática, economia e política. É diversificação de idiomas. Somos valorizados pela geração internet e que bom que ela veio. Trouxe pra perto os profissionais que estavam longe. Levou pra longe a brasilidade, seus biomas e tradições. A Caipirinha é um dos drinks mais amados e consumidos no mundo. Temos muitos motivos para celebrar o Dia do Bartender. Nossa missão ultrapassa os limites do balcão. Nós conectamos pessoas através de nossas misturas e como é bom conhecer pessoas. Quantos “melhores amigos” fazemos por noite? Onde mais ouvir de “estranhos” suas mazelas, seus sonhos, frustrações, decepções e felicidades. Onde mais se pode ir para comemorar, refletir ou até mesmo chorar pitangas se não for no balcão de um bar? Celebremos a data, a profissão e principalmente o privilégio de estar com pessoas diferentes todo santo dia, afinal, “Você nunca saberá quem entrará pela porta”. Todo dia igual, porém muito diferente”. Parabéns, colegas. Celebremos. Meu shot está erguido em nossa homenagem.

Cheers.

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