Como estamos dando a volta por cima na maior crise do século
Não foi o porte da empresa que determinou o quanto ela conseguiu se adaptar e enfrentar os desafios da pandemia. Foi a atitude
Aprendemos muitas lições com a pandemia. Duas delas dizem respeito à mudança de atitude e ao contexto de adaptação e colaboração que empresas e sociedade precisaram se inserir. Tivemos todos que desenvolver competências ligadas à inovação e à adaptabilidade. Se essa era uma demanda do novo século, esse período tornou mandatório olhar para o que temos feito e pensar como podemos fazer mais, melhor, com menos custo e de forma diferente, a fim de gerar um impacto positivo no entorno.
Nunca usamos tanto a palavra resiliência.
Testemunhamos essa atitude adaptativa e inovadora em diversas estórias de empresas que tiveram que enfrentar o desafio de transformação digital, por exemplo, para continuar produzindo e vendendo. Ao olhar para esse passado recente e observar os legados que a pandemia nos deixou é interessante perceber que não foi o porte da empresa que determinou o quanto ela conseguiu se adaptar e enfrentar os desafios. Foi a atitude.
Vimos grandes empresas com estruturas engessadas, processos burocráticos, e com algum fôlego para financiar as mudanças necessárias, olharem para pequenas empresas e desejarem sua rapidez, estrutura com menos hierarquia e processos mais ágeis.
Vimos, também, pequenas empresas sonhando com um fluxo de caixa estável e recurso provisionado para investimento, além de garantias para tomar crédito na praça; realidade que, em geral no nosso país, nunca foi para as pequenas.
Vimos, sobretudo, quem conseguiu se adaptar, ressignificar seu negócio e ajudar a causa mais urgente do momento. Muitas indústrias conseguiram mobilizar suas matrizes em outros países e sua estrutura interna para colaborar na manutenção de respiradores, como no exemplo da Jaguar Land Rover, produto absolutamente diferente do que estava acostumada a fazer.
As pequenas também brigaram pela possibilidade de voltar a produzir e mobilizaram seus funcionários no auge da crise para colaborar na produção de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s). Todas elas precisaram aprender a produzir e identificar em que parte da cadeia podiam somar com a expertise, os equipamentos e material que já possuíam. Com essa atitude conseguiram a preservar as vendas, os empregos e a autoestima de muitos trabalhadores.
A lógica do empreendedorismo informal, como atitude adaptativa individual, também foi fundamental para a manutenção de muitas famílias. A vontade de comprar do pequeno e estimular negócios familiares e iniciativas empreendedoras passou a se tornar uma realidade cada vez mais presente. E, nesse contexto, a facilidade de acesso a quem produz em razão do boom do e-commerce fez toda a diferença para que esse movimento desse certo.
Grandes players do varejo como a Magalu e dos meios de pagamento como a Stone, se mobilizaram e criaram plataformas que viabilizaram o acesso e a compra dos pequenos. Professores e alunos de universidades também se movimentaram para colocar seus conhecimentos de forma voluntária a favor de quem precisava organizar e divulgar seus negócios em iniciativas como a ManaMano. Os gestores e empreendedores dessas iniciativas contaram sobre elas na Casa Firjan.
As redes funcionaram. A atitude colaborativa foi rápida. Redes de solidariedade se organizaram, mobilizando empresas e pessoas para produção e doações.
Inovação aberta na prática
O SOS Favela por exemplo, uma iniciativa do Viva Rio coordenada com empresas e pessoas físicas, distribuiu alimentos e itens essenciais de higiene, além de disseminar encontros sobre atitude empreendedora e saúde emocional para famílias moradoras de favelas e periferias pobres.
O Movimento União Rio mobilizou voluntários e fez justamente o link entre as principais demandas para o enfrentamento da pandemia pela rede de saúde pública do estado e quem podia contribuir. Organizou, também, doações para famílias em situação de vulnerabilidade social e impactou a realidade de muita gente.
Médicos que enfrentavam a falta de EPI’s, mobilizaram pesquisadores na PUC-Rio para construírem com suas redes de voluntários organizados em makerspaces e fablabs, alternativas possíveis para serem usadas na linha de frente.
Com a necessidade de buscar escala e produção coordenada, a universidade mobilizou a Firjan, que imediatamente identificou os setores industriais com potencial de fazer essa adaptação, além das empresas que topassem o desafio.
A rede deu certo e a federação organizou a logística e a articulação pelo estado, com empresas se voluntariando para produzir ou doar. E foram muitas.
A mobilização de tantas diferentes instituições colaborando de forma eficaz para a criação e o desenvolvimento de soluções para a crise em tempo recorde deixariam Henry Chesbrough, criador do termo Inovação Aberta, orgulhoso. Vimos ela acontecer na prática.
Não bastasse tudo isso, presenciamos todas estas instituições trabalhando com transparência nos dados e nas ações. Preocupadas em garantir um processo ético para uma população já tão cansada de golpes em sua confiança.
O desafio agora é continuar se adaptando, inovando e colaborando em 2021 com as competências que desenvolvemos em 2020, a duras penas. A pandemia nos fez trabalhar com foco na urgência e na relevância, no olhar para o resultado e o impacto final responsável de nossas ações. Temos que aprender com tudo isso e em algumas mudanças não podemos retroceder.
Julia Zardo,
Gerente de Ambientes de Inovação da Firjan e professora de empreendedorismo da PUC-Rio. PhD em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento pelo IE – Instituto de Economia da UFRJ. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO