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Julia Zardo

Por Julia Zardo, professora de empreendedorismo e gerente de ambientes de inovação Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Inovação e Sociedade: uma conversa sobre desafios, oportunidades e impactos das práticas inovadoras na vida de todos nós

Inovação Social pode ser estratégia para o desenvolvimento? 

Como ser criativos, estratégicos e articulados para enfrentar as desigualdades mais persistentes

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Atualizado em 2 jun 2025, 11h22 - Publicado em 2 jun 2025, 11h11
Favela Rocinha
 (foto/Getty Images)
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Palavra que dá nome a esta coluna, a “inovação” ainda é geralmente associada à tecnologia de ponta, invenções disruptivas e grandes avanços científicos. Mas e se começarmos a enxergá-la por outras perspectivas? E se entendermos que, embora envolva também esses aspectos, ela pode — e deve — ser uma ferramenta estratégica no combate às desigualdades e na promoção da justiça social? Há motivos urgentes para fortalecer essa discussão e, mais do que isso, transformá-la em ação.

Ainda que a desigualdade no Brasil tenha atingido o menor nível da série histórica do IBGE iniciada em 2012*, basta uma caminhada pelas ruas de grandes cidades com o porte do Rio de Janeiro para observar o número crescente de moradores de rua. Um rápido giro pelos dados de saneamento também nos mostra que no país, pelo menos 100 milhões de pessoas não têm rede de esgoto e cerca de 35 milhões** sentem os reflexos de não ter água potável todos os dias.

Como podemos, portanto, acelerar a justiça social nos territórios a partir de práticas inovadoras?

Algumas ações têm acontecido no Rio de Janeiro e nos trazem uma pista.

Há 15 anos, por exemplo, o SESI Cidadania foi desenvolvido pela Firjan. O programa tem o objetivo de desenvolver projetos em territórios com vulnerabilidade social nas áreas de educação, esporte, lazer, cultura e empreendedorismo. À época, uma das principais prioridades apontadas pelas comunidades atendidas era a gestão de resíduos sólidos. E, ainda hoje, esse tema segue entre os principais desafios enfrentados nos territórios. Mesmo com tantas soluções tecnológicas já disponíveis — muitas delas compactas, sustentáveis e viáveis —, a coleta de resíduos e o descarte adequado permanecem como obstáculos cotidianos em muitas comunidades.

O saneamento básico, já citado aqui como uma grande deficiência do Brasil, é outro exemplo de persistência de desigualdades: um indicador crítico que impacta diretamente na saúde, no bem-estar e nas possibilidades de desenvolvimento pleno de uma população. Ou seja, estamos falando de questões básicas e estruturais, que ainda aguardam respostas mais eficazes.

Mas por onde começar? Temos, hoje, instrumentos que podem nos ajudar nessa jornada. Indicadores como o Índice de Progresso Social (IPS) e o IVECAD — Índice de Vulnerabilidade das Famílias do Cadastro Único — oferecem diagnósticos robustos que nos ajudam a compreender onde estão os principais gargalos e potencialidades nos territórios. São dados valiosos que podem e devem orientar um movimento nacional de fortalecimento da inovação para a justiça social.

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E por falar em território, uma iniciativa que já contabiliza 4 anos de existência no Rio de Janeiro e une os conceitos de inovação social com os saberes de moradores para promover o desenvolvimento local é o Parque de Inovação Social Tecnológico e Ambiental (PISTA) da Rocinha. Primeiro e único parque de inovação social do Brasil estabelecido em um ambiente de favela, o PISTA apoia negócios e programas localizados na Rocinha por meio de um modelo de governança participativo onde articuladores territoriais participam ativamente de todo o processo. E isso faz toda a diferença.

Essa iniciativa foi fruto de um edital inédito e piloto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em 2021, que tinha a proposta de usar a inovação social para desenvolver o território e melhorar a qualidade de vida da população. Alguns exemplos de tecnologias sociais desenvolvidas com o apoio do PISTA e da FAPERJ e que impactam diretamente no território hoje são os projetos Óleo no Ponto, que transforma óleo usado em produtos de limpeza e já evitou o descarte inadequado de mais de 20 mil litros de óleo vegetal; e o Carteiro Amigo, startup que facilita acesso a serviços de logística de entregas para moradores de áreas sem CEP ou com dificuldades de acesso. Esses são apenas dois de 24 projetos apoiados pela iniciativa.

Neste ano o programa, que já deu frutos, foi relançado pela Fundação e ampliado; fomentando agora projetos e negócios inovadores localizados não só na Rocinha, mas também na Cidade de Deus, Maré, Alemão e cidade de Petrópolis.

É importante ressaltar também que movimentos e estruturas públicas vêm sendo criadas para fortalecer esse campo. É o caso da recém-lançada Subsecretaria de Inovação Social da Prefeitura do Rio de Janeiro, que atua justamente no incentivo às tecnologias e soluções nascidas nas favelas e periferias. Também há linhas de financiamento específicas para programas em territórios vulneráveis (como o fundo socioambiental do BNDES), que podem ser articuladas com organizações da sociedade civil, setor privado e governos locais para criar soluções mais integradas e sustentáveis.

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Na revisão das ações trazendo a inovação para perto, o SESI Cidadania implantou nas Indústrias do Conhecimento, espaços localizados em sete comunidades do Rio, ações de experimentação, robótica e cultura que fortalecem habilidades e conhecimentos para o desenvolvimento de reflexões e soluções para o território.

Ao observar todos esses dados nos cabe pensar em como ser criativos, estratégicos e articulados para enfrentar as desigualdades mais persistentes.

Como afirma Darren Walker, presidente da Ford Foundation“…Temos tecnologia, dados e um século de ensaios controlados e randomizados que, juntos, nos permitem ampliar nosso escopo e entender padrões cada vez mais complexos de injustiça e como eles persistem e se reproduzem com o tempo. Ao fazê-lo, somos capazes de lançar luz sobre problemas sistêmicos profundos.”

Porque os territórios não esperam. Eles criam. E nos desafiam a agir com a mesma coragem.

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*O Índice de Gini do Brasil ficou em 0,506 em 2024, abaixo dos 0,518, registrados tanto em 2022 quanto em 2023. A escala de Gini varia de 0 a 1. Quanto mais perto de 0, menos desigual é o país. 

** Dados são do Instituto Trata Brasil com base nos indicadores de 2021 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. 

Eliane Damasceno, mestre em Design Futures pela Goldsmiths e gerente de Responsabilidade Social da Firjan, é coautora desta coluna. 

 

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