Moda: O que Christian Dior pode nos ensinar sobre a pandemia?
Estilista revolucionou a moda um ano após a Segunda Guerra Mundial
Muito se tem falado sobre a necessidade de enfrentar um dia de cada vez nesta pandemia. Sem conseguirmos ter qualquer certeza sobre o futuro, o conselho faz sentido mesmo. Mas não podemos negar os impactos que já são enormes na indústria da moda e nos pequenos negócios. Buscando alguma resposta, fui olhar para o passado, para os momentos mais difíceis do mundo para tentar entender como foi possível retomar o trabalho, as coleções, as vendas. Foi aí que me deparei com o excelente documentário “Christian Dior: designer of dreams”, que a Dior acaba de disponibilizar no Youtube para os fãs da marca assistirem durante a quarentena.
Tentar entender como foi o tal “novo normal” no pós-Segunda Guerra através da história da moda é de alguma maneira tentar antever como poderá ser a moda nos próximos anos. O verbo tentar é fundamental neste momento. Tentativas, nunca certezas. Durante a guerra e a Ocupação Nazista, entre 1939 e 1945, lojas, ateliês e fábricas da indústria têxtil fecharam as portas. Com escassez de matéria-prima e com a entrada definitiva das mulheres no mercado de trabalho com tantos homens no front, a moda passou a ser o mais sóbria e utilitária possível, com modelagens retas, próximas da forma dos retângulos e dos quadrados. Na Europa, não havia espaço para sonhar, nem mesmo dentro de casa tamanha a tragédia que se lançava sobre o mundo. “A alta-costura foi muito afetada pela guerra e pela Ocupação. Os Nazistas queriam transferir a capital da moda de Paris para outra cidade, talvez, Berlim”, lembra Olivier Gabet, diretor do Musée des Arts Décoratifs.
Paris, o epicentro da alta costura, não era mais a mesma. Christian Dior chegou a servir ao Exército Francês durante este período e sua irmã, Catherine, a Miss Dior que deu nome a seu icônico perfume, foi capturada pela Gestapo. Em 1945, em vez de retomar seu trabalho como estilista contratado de grandes ateliês, ele decidiu que era hora de lançar sua própria grife. Apenas um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial, Monsieur Dior inaugurou sua maison.
E por que sua história pode nos inspirar esperança em plena pandemia do coronavírus? Porque em janeiro de 1947, ele desenhou uma coleção que mudou a história da moda: The New Look. Na tentativa de traduzir o mundo devastado, e querendo recuperar a elegância perdida com a guerra, Dior olhou para o passado e se armou de sua criatividade contra tudo o que se viveu entre 1939 e 1945. Ele investiu no desejo das pessoas de voltar a sonhar e de viver a beleza. Com opulência de tecido, ele criou uma modelagem curva que voltava a valorizar a forma do corpo feminino.
A imagem mais icônica desta coleção, publicada numa revista de moda, apresentou o Bar Suit, composto por uma saia plissada de sete metros e meio de crepe de lã e uma jaqueta justa de 3,5 metros de seda shantung, que arredondava os ombros e afinava a cintura com um corset interno.
Com esta primeira coleção, Monsieur Dior conseguiu traduzir o que mulheres do mundo inteiro nem sabiam que queriam e marcou a retomada de Paris como o epicentro da moda. O impacto do estilo criado por ele foi tal que a década de 1950 inteira foi marcada por seu look: saias rodadas, cintura marcada, formas femininas. “O Bar Suit é um ícone não apenas da Dior mas de toda a história da moda. É muito raro haver uma ruptura e uma revolução dos costumes como esta com apenas uma coleção”, explica Florence Müller, curadora da exposição sobre Dior no Musée des Arts Décoratifs.
Rever esta história, que todo estilista e estudante de moda sabe de cor, me fez pensar que podemos estar próximos de viver um dos momentos mais criativos e mágicos da moda, da cultura, do design, da tecnologia e da ciência. Perderemos muito, como já estamos perdendo, nessa pandemia. Mas reinventar o mundo que conhecemos para construir o novo mundo será um caminho sem volta. Mãos à obra!
Julia Golldenzon é estilista especializada em festas e noivas. Formada em Comunicação Social pela PUC-Rio, ela trabalhou em marcas como Farm e La Estampa e, desde 2013, tem um ateliê no Leblon, que leva seu nome.