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Ike Cruz

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Xuxa e Marlene é uma história de sucesso, mas sem vilã e mocinha

Tudo na vida é produto do seu tempo, trazer pra atualidade o que foi feito no passado fica fora de contexto e inviável para uma análise justa e coerente

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11 ago 2023, 17h27
Marlene Mattos e Xuxa
Marlene x Xuxa: sem 'desculpa' nem 'muito obrigada'. (TV GLOBO/Reprodução)
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Escrevo ainda sem ter assistido ao quinto e último episódio de “ Xuxa, o documentário”, no Globoplay.

De qualquer forma, fica difícil imaginar o que seria dessa série documental sem o quarto episódio. O tão esperado encontro entre Marlene e Xuxa, após um hiato de 20 anos, já era desde o início da divulgação o ponto forte (e de interesse) do documentário. Ficou claro que, mesmo com tanta mágoa e ressentimento, não dava para abrir mão da presença da ex-empresária. Cá entre nós, a cereja desse bolo.

Nas entrevistas, Xuxa disse que pensava em encontrar uma Marlene mudada e consciente dos excessos cometidos como sua gestora durante quase duas décadas. Não foi o que aconteceu.

Antes de me aventurar a escrever essa coluna, li alguns artigos, centenas de comentários no Twitter, Instagram etc. Tendo esse espaço na Veja Rio e com quase 30 anos no ramo de agenciamento artístico, me senti motivado em dividir minha ótica sobre o assunto.

Nas redes sociais, rapidamente essa história se tornou um “Fla x Flu”. Contudo, não escrevo como torcedor de lado algum. Não sou amigo de nenhuma das duas e sequer as conheço, portanto fico muito confortável para comentar com imparcialidade.

De cara, o que mais me chamou a atenção foi o fato de trazerem à tona, nos dias de hoje,  um modelo de gestão que Marlene imprimiu há mais de 20 anos (!). Gostando ou não, tudo na vida é produto do seu tempo, e trazer para a atualidade o que foi realizado no passado fica absolutamente fora de contexto e inviável para uma análise justa e coerente. Claro que o tribunal da internet não está nem aí pra isso e quer mesmo é fogo no parquinho.

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Olhando para esse passado, será que Marlene foi a única a gerir de forma controladora, incisiva e muitas vezes exagerada no showbizz ? Com certeza, não. Mas foi a única a cuidar meticulosamente da carreira de Xuxa – o que,  convenhamos, não deve ter sido nenhuma Nutella (que nem existia na época).

Se formos colocar outros exemplos na mesma balança, o que falar, por exemplo, de Daniel Filho, Ricardo Waddington, entre outros lendários chefões, se todos os atores que se sentiram oprimidos em algum momento viessem a público falar da forma como cada diretor atuava na época? Até onde foi falado, além de situações constrangedoras, esporros homéricos ecoavam nos estúdios do Jardim Botânico e que depois migraram para o Projac. Isso, hoje, também não seria considerado um comportamento abusivo ?

E se Marlene era uma pessoa tão opressora e aterrorizante, porque os amigos da apresentadora, além dos que deram depoimento no DOC, não intercederam e a protegeram na época ?  Arrisco a resposta: porque na ocasião devia ser considerado “normal”, dava excelentes resultados e parecia fazer parte do show. No fim das contas, o jeito temido e a mão de ferro geravam um certo folclore e marketing em torno da ex-empresária. Tanto que até a própria Xuxa parecia se divertir com isso.

Então, porque só agora ? Fãs dirão que “a ficha caiu”. Normalmente, nesse tipo de caso, é mais fácil a ficha cair sempre depois que o sucesso se estabeleceu, e a amizade não resistiu. Isso até me faz lembrar de uma frase clássica de Warren Buffet: ” Se alguém está sentado na sombra hoje, é porque alguém plantou uma árvore há muito tempo”.

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Por outro lado, mesmo de forma involuntária, Marlene também acaba contribuindo para evidenciar que nem toda fórmula que deu certo no passado vai servir para sempre. Muito pelo contrário. É  preciso manter o olhar sob constante renovação e estar atento a todas as fases que um artista, marca ou empresa atravessa. Só assim é possível conduzir cada etapa de forma assertiva e adequada.

Nessa emblemática participação em “Xuxa, o documentário”, acho que Marlene perdeu uma grande oportunidade de mostrar alguma mudança, uma evolução como ser humano e, consequentemente, como profissional. Posso estar enganado, mas me pareceu ainda orgulhosa e com uma contraproducente “Síndrome de Gabriela”. Uma pena, pois pelo que ouvi de quem já trabalhou próximo, Marlene é uma super craque no audiovisual.

Se olho para cinco anos atrás e vejo o quanto refleti e mudei sob tantos aspectos (graças a Deus!), imaginem em vinte.Espero continuar sempre me questionando e aberto a mudanças. Entretanto, para isso, é preciso querer de forma genuína, sem aparências. Isso inclui manter um olhar constante, de forma honesta e humilde, para dentro de si próprio. Mudanças verdadeiras não ocorrem de fora pra dentro ou de forma mecânica, quando isso acontece, a reincidência é inevitável. Mudanças significativas acontecem de dentro pra fora.  Se revejo uma situação e consigo mudar minha forma de pensar sobre ela, é natural que eu mude as minhas ações e decisões dali em diante.

Pelo lado da protagonista da série, Xuxa tem todo direito de fazer uma retrospectiva da sua vida e se sentir mal pelo que permitiu e passou. Analisando hoje, de fato muita coisa parece cruel e desproporcional. Acredito que Marlene possa ter errado algumas vezes na forma, mas não na intenção. O fato é que Maria da Graça se tornou XUXA naqueles moldes. Ponto.  Hoje talvez não precisasse ser assim, mas quem aí pode afirmar que ela teria se tornado a estrela que se tornou sem a cabeça pensante, a mão pesada e os famigerados gritos de Marlene Mattos ?

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Por tudo que passei na vida,  coisas maravilhosas e outras bem ruins, aprendi que se for responsabilizar as pessoas por situações que me fizeram mal, também terei que dar-lhes crédito pela força e determinação que adquiri. E, principalmente, pela pessoa que me orgulho ter me tornado. Tudo que atravessei me esculpiu. Como pessoa e como profissional.

No quarto episódio, por diversas vezes Xuxa se mostrou indignada, questionou coisas fora de época (e de contexto), mas deu sorte que Marlene não parecia estar disposta a grandes embates. Quando ela afirma que a ex-empresária ditava a forma de ela dar entrevista (“diz isso, não diz aquilo”), parecia que Xuxa estava tão preocupada em apontar o dedo que demonstrou total desconhecimento de uma prática tão conhecida quanto antiga no mercado audiovisual: o media training.

Um exemplo de como essa prática não só é comum, e ficou cada vez mais fortalecida, é que as maiores plataformas de streaming do mundo sistematicamente convocam os artistas contratados a participarem de reuniões de media training (uma espécie mais elaborada e profissional desse “diz isso/não diz aquilo”), justamente para orientar o que está alinhado com os objetivos e propósitos do produto. Nada demais. Sem melindres.

Por fim, senti falta mesmo de duas coisas que mudariam a tônica do documentário. Uma de cada lado das personalidades.

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Marlene: – Xuxa, desculpe se te magoei ou machuquei de alguma forma, nunca foi minha intenção. Tudo que fiz foi porque acreditava ser o melhor para você na época. E também por duas outras razões. Por zelo e por amor.

Xuxa: – Marlene…apesar de tudo, valeu a pena. Muito obrigada.

 

Ike Cruz é empresário artístico e fundador do Actors & Arts

 

**  o texto não reflete necessariamente a opinião de outros membros da nossa equipe e dos artista dos quais representamos.

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