Meu pai era um boêmio clássico e original. Bebia muito ,fumava, dormia mal e passaria com louvor numa prova para coaching de “ como ser malsucedido na vida sem fazer força ”.
Entretanto era um sujeito muito bacana, o típico gente boa. Querido por todos, divertido (sobretudo quando bebia), generoso, e como meus amigos de infância diziam, era “o pai da galera ”! Curioso como, de longe, o drama na casa dos outros às vezes parece engraçado.
Era estranho ouvir esse tipo de comentário pois tinha a nítida sensação de que só eu não achava graça e nem tinha orgulho do tal apelido. Muito menos do meu pai.
O tempo foi passando, fui crescendo perto de tudo isso e, claro, chegou a fase do enfrentamento.
Ele bebia, me fazia sentar para ouvir seu discurso de fracassado e repetia, à exaustão, de como tudo tinha dado errado na vida dele.
Dizia que não tinha estudado o suficiente, havia fugido dos colégios, não havia construído nada sólido, se relacionou mal, perdeu oportunidades, não foi bom pai, não foi bom filho e por aí ladeira abaixo…
Eu até ouvia com aquela compaixão peculiar aos que têm paciência, ouvido e carinho aos discursos alcoólicos. E claro, pelo fato de ser filho.
Entretanto, quando ele recitava sua frase preferida eu me contorcia. Lembro como eu abominava aquele “ faça o que eu falo mas não faça o que eu faço…”. Frase, aliás, que discordo e tenho verdadeira aversão até hoje.
Sempre acreditei no exemplo e carrego isso comigo. Por um lado meu pai me ajudou muito. Queria ser o oposto dele.
Fui um típico garoto classe média e tive uma boa criação (pela mãe dele, minha avó).
Morava no Flamengo, jogava bola no aterro, estudei em bons colégios, mas tinha plena consciência que não iria herdar nada que me garantisse um futuro sem preocupações. Pelo contrário, tudo que eu aprendia me apontava para uma única direção.
– Trata de estudar, trabalhar e se estabilizar, Ike!!!- – E se prepara pra cuidar da velhice do seu pai!!! –
Apesar de não ter sido um bom aluno na adolescência, na faculdade, onde finalmente me deparei com o que eu me identificava, o jogo começou a virar.
Comunicação era meu forte e o meu foco. Comecei fazendo jornalismo na extinta Faculdade da Cidade na Lagoa. Trabalhava de dia e estudava à noite.
Tempos depois, sucumbi às minhas aptidões criativas e migrei para publicidade na FACHA. Em paralelo, foi nessa época que entrei para a equipe de bookers numa conhecida agencia de modelos. Daí pra frente é história. A minha.
Não ter “costas quentes” me ajudou muito. Sabia que o jogo ia ser duro, que o “estádio” estaria lotado e haveria muita gente querendo jogar. Porém a bola estava comigo.
Decidi me dedicar e me preparar pra valer. Minha ambição era que trocassem o artigo quando se referissem a mim. De “UM” para “O” profissional.
Observava tudo e a todos atentamente. As coisas boas e inclusive as ruins. Ia filtrando o que me servia, as ideias brotavam e eu ia traçando meu próprio perfil e caminho.
Não queria ser mais um, almejava fazer diferença e sem o padrão sistêmico da maioria.
Dinheiro nunca foi meu objetivo primário, queria ser reconhecido como um dos melhores e me empenhei muito para tal.
Ser bem-sucedido não dependia exclusivamente de mim, porém tudo que dependesse do meu esforço e dedicação seria feito. Por isso, vivo repetindo que só temos gerência sobre nossas próprias ações e isso não é pouco. Entretanto, resultados não sempre justos. É preciso trabalhar muito, ter sorte e consistência. Separados, nada disso faz milagre.
Sempre digo aos nossos agenciados que dinheiro é consequência de produtividade, de reconhecimento profissional.
Existe uma geração por aí com pressa de ganhar dinheiro, mas sem estar preparada ou qualificada para coisa alguma.
Fora do âmbito profissional, sempre procurei agir da mesma forma. Acredito que seja um processo natural. Caraterísticas profissionais normalmente se fundem ao campo pessoal e vice-versa. Se alguém é extremamente organizado em casa, provavelmente será no trabalho e assim por diante.
Meu pai não foi exemplo pra mim mas quero ser para o meu filho, contudo, de forma espontânea, por conduta.
Acredito verdadeiramente nesse poder de referência por atração. Nesse aspecto tive sorte dupla. Minha avó que me educou, ensinou princípios e me motivou a buscar minha própria independência. A outra, por ter optado pela aversão a tudo que presenciei do velho Guilherme.
Por incrível e paradoxal que seja, essa coluna é uma homenagem ao meu pai, que, apesar de tudo, era um homem bom, mas que fez escolhas erradas na vida. Mesmo sem querer, ajudou a me tornar o que sou hoje, pois podemos escolher a autopiedade e as adversidades para justificar um fracasso ou usar como combustível para tentar vencer.
Porém, em 2004, um infarto fulminante trouxe a “conta” de tantos anos desregrados e desperdiçados.
Nos deixou aos precoces 63 anos. Já não bebia há 1 ano, mudou seus hábitos, acordava cedo e tinha se tornado meu melhor amigo.
Como dizem, a vida continua… também aprendi a perder.
Ike Cruz é empresário e consultor de imagem