Thor
Adoro participações especiais de grandes atores em filmes B de aventura. Adoro a maneira como imprimem intenções shakespearianas ao diálogo medíocre. Sir John Gielgud aceitou fazer um tibetano imortal na refilmagem de Horizonte Perdido para pagar suas dívidas com o Fisco. Fora a película, o ator deixou comentários hilariantes a respeito da experiência em sua […]
Adoro participações especiais de grandes atores em filmes B de aventura. Adoro a maneira como imprimem intenções shakespearianas ao diálogo medíocre. Sir John Gielgud aceitou fazer um tibetano imortal na refilmagem de Horizonte Perdido para pagar suas dívidas com o Fisco. Fora a película, o ator deixou comentários hilariantes a respeito da experiência em sua troca epistolar com os amigos. É possível ler parte deles traduzida na revista Piauí, edição 47.
Marlon Brando fez história como Jor-El, pai do Super-Homem, apertado em um collant inteiriço de lycra branca. Laurence Olivier encarnou Zeus em Fúria de Titãs, ornado com uma auréola anos 80 de raios de neon azul. Michael Caine, ator extraordinário, aceitou uma ponta até em Tubarão 4.
Anthony Hopkins, faz tempo, trocou o West End de Londres pela Costa Oeste. Em Thor, no papel de Odin, rei pai do império galático de Asgard, o galês vem caolho, com madeixas alongadas por megahair e armadura areada. As grandes cenas são com o filho, um belo rapaz cuja preparação para viver o super-herói parece ter sido feita puxando ferro em Malibu Beach.
Mas o que mais me fascinou em Thor foi o drama da mocinha. Jane, uma astrofísica americana recém-separada e sem filhos, estuda fenômenos meteorológicos nas terras áridas do Novo México, acompanhada por um velho amigo de seu pai e uma quase imbecil pupila. O futuro amoroso de Jane é nulo. É mais fácil um raio atingir a cabeça da cientista do que encontrar um homem que valha a pena na pequena cidade em que conduz seus estudos.
Milagres acontecem.
Vindo do espaço infinito, um tornado de dimensões bíblicas materializa um pedaço de mau caminho alto, louro e malhado nas melhores academias bem no colo da pesquisadora.
Tomada por um incontrolável desejo de dar mole para o viking de Varginha, Jane concorda em ajudá-lo no suposto delírio de recuperar um martelo sagrado e salvar o reino do qual se diz príncipe. Nada mais irresistível do que um homem com coisas mais importantes para resolver. Sacrificando-se pela raça humana, Thor reconquista a marreta sagrada e, junto com ela, poderes indizíveis.
Se as chances de traçar a carente moçoila já eram totais, mesmo quando Jane temia que Thor sofresse de esquizofrenia, agora, comprovada a realeza divina, basta um piscar de olhos azuis para tê-la à mão.
Mas o irresistível deve partir sem delongas. Seu pai, o trono e, talvez, todo o universo correm perigo se ele não se escafeder imediatamente. “Eu vou voltar. Por você, Jane.” É sua última promessa. E lá se vai o bíceps do século por uma fenda improvável do tecido do espaço-tempo, condenando Jane à insatisfação eterna.
Se antes a falta de perspectiva amorosa da guria ainda era contornável, depois da jura, não há, em todo o planeta Terra, Tarzan que dê conta das fantasias dessa mulher.
Na última vez que a vemos, Jane está diante do computador checando obsessivamente paradoxos matemáticos que a levem a desvendar o mistério das pontes de Einstein-Rosen, vulgo buraco de minhoca, única maneira de voltar a estabelecer contato com a divindade por quem se apaixonou.
Thor é um filme sobre os anseios inalcançáveis do feminino e a ilusão do grande macho alfa. Assisti como quem lê um romance de outra Jane, a Austen.