Bondinho
Fui passear no Pão de Açúcar com meu filho pequeno. Lá, assistimos a um pôr do sol de abril em um daqueles dias límpidos de outono. O rosa alaranjado do fim da tarde iluminado pelas luzes da cidade e pelos raios de uma tempestade para os lados da Barra da Tijuca formava a visão majestosa. […]
Fui passear no Pão de Açúcar com meu filho pequeno. Lá, assistimos a um pôr do sol de abril em um daqueles dias límpidos de outono. O rosa alaranjado do fim da tarde iluminado pelas luzes da cidade e pelos raios de uma tempestade para os lados da Barra da Tijuca formava a visão majestosa. Depois de uma semana em Curicica, enfrentando noturnas chuvosas na cidade cenográfica do Projac, a tarde valeu como uma visita ao Olimpo. Na descida, lembrei-me de uma história curiosa que me aconteceu por ali uns anos atrás.
Eu era mãe recente, gravava Os Normais toda semana e não gostava de ficar longe da cria. Acho que por essa razão desenvolvi um medo chato de avião, helicóptero e qualquer outra geringonça que me deixasse distante do chão. O programa de Serginho Groisman na TV Globo completava bodas e ele preparou um show comemorativo no Morro da Urca, com a presença de diversos artistas. Aceitei o convite para participar da noite com prazer.
No dia da festa, caiu uma chuva bíblica no Rio de Janeiro. Vendaval, aguaceiro e ruas alagadas. Eu passei o tempo todo rezando por uma estiagem noturna, mas Deus não ouviu as preces. Embarquei tensa no bondinho já pensando na volta. O vento molhado castigava a pele no desembarque.
As gravações atrasaram muito por causa do cataclismo atmosférico, e aquilo que deveria ser uma brincadeira divertida se transformou numa longa e preocupante espera. Tomada por um mau humor persistente, amarrei uma tromba impossível de desatar. Queria ir embora, quase em pânico com a possibilidade de o bondinho parar comigo dentro ou de as chuvas me obrigarem a dormir acampada, longe do rebento, com metade da MPB.
Umas três horas depois, quando finalmente fui chamada para entrar em cena, a culpa por ter fechado o tempo se abateu sobre mim. Para reverter a má impressão, pulei na ribalta esbanjando simpatia. Simpatia até demais. Serginho me chamou na hora em que o grupo O Rappa se preparava para tocar a sua versão de Vapor Barato, música de Wally Salomão e Jards Macalé que eu havia entoado em Terra Estrangeira, filme de Walter Salles. Topei de imediato a sugestão de acompanhar os músicos e soltei a voz sem nem me preocupar em ouvir o tom. Saí me esgoelando, eu para um lado e O Rappa para o outro. Desastre desastroso. Falcão me olhou pasmo, mas eu não me intimidei nos trinados. Terminado o refrão, ajoelhei-me aos pés do Serginho, fiz o tipo animado com Ivete Sangalo, mandei beijos efusivos para Nando Reis, entrei no famigerado bondinho e fui dormir exausta, sem me dar conta do papelão.
No dia seguinte ao que o programa foi ao ar, minha produtora, Carmen Mello, foi tomar café na piscina do hotel em que estava hospedada e ouviu o comentário de uma mulher para outra: “Você viu aquela Fernanda Torres ontem no Sérgio Groisman totalmente alucinada? A maluca deve ter tomado todas, porque nunca vi alguém tão descompensado”. Passei anos tentando me explicar com o Sérgio e com quem porventura estivesse com a TV ligada naquela noite fatídica. E aproveito esse espaço para, mais uma vez, dizer que eu estava sóbria, sofrendo apenas de uma baita culpa por um revertério de humor.
O fato serviu para me lembrar de que a pior saída para o azedume interior é soltar os cachorros em cima de quem estiver em volta. Invariavelmente, a bicharada irascível se volta contra nós mesmos.
Aproveite os dias firmes e deslumbrantes de maio para visitar o Cristo e o Pão de Açúcar. É cura certa para qualquer descontrole passional.