Bomba
O fiscal do aeroporto de São Paulo, quando soube que uma amiga minha estava prestes a embarcar para o Rio de Janeiro, comentou, ressabiado: “E a senhora não tem medo de bomba no avião, não?”. Surpresa, ela respondeu que tinha confiança na revista das bagagens. “Isso aí?”, rebateu o senhorzinho, referindo-se ao raio X. “Eu […]
O fiscal do aeroporto de São Paulo, quando soube que uma amiga minha estava prestes a embarcar para o Rio de Janeiro, comentou, ressabiado: “E a senhora não tem medo de bomba no avião, não?”. Surpresa, ela respondeu que tinha confiança na revista das bagagens. “Isso aí?”, rebateu o senhorzinho, referindo-se ao raio X. “Eu não confio mesmo!” E desejou bom voo, como se não tivesse acabado de dizer o impropério.
Os Jogos Olímpicos estão em curso e o carioca adiciona o terrorismo à lista de ameaças que o persegue no cotidiano. A jornalista Mariliz Pereira Jorge escreveu um artigo afirmando que a vida é muito curta para viver no Rio. Talvez seja mesmo. Os vidros blindados já me salvaram de um assalto a mão armada no Túnel Dois Irmãos e passo pelas flores em memória do médico morto a facadas todas as vezes em que arrisco um trote na Lagoa.
A crença de que não haverá homens-bomba na Guanabara se baseia no fato de que é preciso uma dose considerável de altruísmo para se explodir com as vítimas. A violência por aqui seria mais fruto da barbárie social do que do fundamentalismo religioso. Mas tem maluco para tudo.
De toda maneira, a probabilidade de subir para o andar de cima graças a outras formas de incivilidade ainda é mais garantida, por aqui, do que a de ir para o espaço pelas mãos de um suicida.
Passei julho na ponte aérea. Num domingo à noite, na primeira ida e vinda de São Paulo, peguei um táxi no Santos Dumont e o motorista deu partida antes mesmo de eu fechar a porta. Bati a dita como pude, enquanto tentava atar o cinto, pois já estávamos numa desabalada corrida pelo Aterro, cortando as curvas com a presteza de um Fórmula 1. Na altura do Morro da Viúva, ele largou a mão do volante e se virou para trás para requisitar o tíquete. Era um táxi especial. Notei que não usava cinto. Tratava-se de um camicase prestativo, sem os arroubos comuns aos mártires da Jihad.
Não há heróis nas nossas mortes, só vítimas.
No comercial de uma marca esportiva, não sei se sueca ou norueguesa, um menino de cabelo ruivo cacheado, típico dos reclames, vestindo uma camisa da seleção, tenta devolver a carteira de um motoqueiro, caída ao acaso na viela de uma favela carioca. Confundido com um ladrão pelos policiais da ronda, o ruivinho sai numa louca escapada, valendo-se de todas as modalidades olímpicas para driblar a truculência dos meganhas. Quando, por fim, entrega a dita-cuja, descobre-se que o motoqueiro era o Ronaldinho Gaúcho. Terminam todos numa pelada de praia, com o garoto fazendo um gol no time de farda.
Achei de um mau gosto sem limite. Quer dizer que a polícia é má e a Suécia é boa? E o futebol é o ópio do povo? O buraco é abissalmentíssimamente mais embaixo.
Os Jogos deram de acontecer num momento ruim da cidade, do país e do mundo. Se serve de consolo, num país bem mais rico e educado que o nosso, Donald Trump corre sérios riscos de se eleger presidente.
A vida é curta para viver neste planeta, mas não há outro. Que os Jogos não importem a paranoia alheia, porque a daqui já é difícil de aguentar.