Estou atrasada. Eu sei. Não consegui entregar a coluna da semana passada porque fui “atropelada” pelo Festival FARO e a desta semana deveria ter sido publicada quarta e, hoje já é sexta. Mas mais atrasado do que eu está meu país. Enquanto boa parte do mundo está em 2018, o Brasil caminha a passos largos para 1968. Sou parte de uma geração mimada pela percepção histórica de que o retrocesso fazia parte de um passado distante e que o mundo rumaria para um futuro próspero e afetuoso.
Antes que algum leitor desatento comece a se/me questionar sobre a temática desta coluna, ratifico que este é um espaço (nobre) para se promover a nova música brasileira. Mas pergunto sinceramente: alguém está conseguindo escrever, pensar ou falar de qualquer outro assunto que não seja a execução sumária da quinta vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas últimas eleições??
Não cabe a mim lembrar você, caro leitor, de nada. Já temos muitas coisas pra lembrar e tantas outras pra esquecer. Mas num momento em que a memória coletiva parece sofrer do mais alto grau de Alzheimer, preciso lembrar que quem faz arte, faz política. Por isso, uso este espaço para expressar toda minha indignação pela falência completa do Estado do Rio de Janeiro.
Marielle Franco, mulher, negra, nascida e criada na Maré, socióloga, mestre em administração pública, defensora dos direitos humanos, foi eleita tendo como bandeiras o feminismo, o combate ao racismo e a violência policial. Ela representava diretamente 46.502 pessoas (eu entre elas). Fora outras milhares indiretamente que, infelizmente, nem se davam conta. Em fevereiro havia sido nomeada relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a intervenção federal – que nos foi imposta – na segurança pública do Estado. Desde que assumiu seu cargo na Câmara, ela denunciava abusos de policiais do batalhão que mais letal do Estado do Rio. Na última quarta, ela foi silenciada pra sempre.
Com seu brutal assassinato, a realidade se impõe com a certeza de que nada será como antes. Ontem, milhares de pessoas (mais uma vez, eu entre elas) ocuparam as ruas das principais capitais do país para se despedir de Marielle e para mostrar que a época do horror já passou e nada irá nos calar. Quiseram enterrar Marielle mas “eles” não sabiam que ela era semente.
Como escreveu a economista e professora da USP, Laura Carvalho, em suas redes sociais: “não é possível viver em um lugar em que não se pode nem ter a esperança de renovação dessa política podre pela via institucional sem que ela seja literalmente assassinada. É a bárbarie“. Replico aqui a última pergunta de Marielle num post em sua conta do twitter: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”
Por fim, pra não me acusarem de desviar a temática desta coluna semanal, faço meus os versos de Caetano Veloso em “Podres Poderes”:
Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos? / Será, será que será que será que será / Será que essa minha estúpida retórica / Terá que soar, terá que se ouvir / Por mais zil anos?