As transformações da MPB
Interessante ressaltar que boa parte desta transformação da MPB ocorrida nos últimos anos têm relação umbilical com a internet e as redes sociais.
A música popular brasileira, assim como o Brasil, foi completamente transformada nos últimos anos. Antes de explicar tal transformação – se é que conseguirei fazê-la – é preciso lembrar que convencionou-se chamar de “MPB” a todo tipo de canção que se contrapunha àquela, supostamente, “popularesca” e consumida pelas massas através das rádios comerciais e dos programas de TV.
No comando do FARO – programa transmitido na SulAmérica Seguros Paradiso FM voltado exclusivamente para promover a nova cena musical contemporânea – conheci pessoalmente a Liniker (e também foi pro FARO que ela deu sua primeira entrevista no rádio) e As Bahias e A Cozinha Mineira, duas das mais representativas artistas deste cenário.
As três – e outros nomes que deixarei pra mencionar em textos futuros – fazem parte de um novo e fundamental movimento estético-político da chamada “Nova MPB”: o MPBTrans – termo cunhado pelo deputado federal Jean Wyllys. Segundo Jean, em texto publicado na Revista TPM, “a MPBTrans é a música que resulta dos – e responde aos – impactos políticos, sociais e estéticos das novas tecnologias da comunicação e da informação (internet e redes sociais digitais) nessa segunda década do novo milênio; é o movimento que se contrapõe, em termos artísticos, ao retorno dos discursos conservadores, reacionários e fundamentalistas religiosos à hegemonia política no país”. A música proposta tanto pel’As Bahias e A Cozinha Mineira quanto por Liniker tem papel fundamental nesta pulverização das fronteiras de gênero.
Liniker tem vinte e poucos anos, nasceu em Araraquara, interior de São Paulo, numa família completamente musical. Além da afinação, o tom grave e levemente rouco típico dos artistas de soul, ela tem formação teatral e presença artística como poucos têm em seus primeiros anos de carreira. Quando está no palco “bota pra jogo” todas estas referências e deixa o público boquiaberto.
Já Raquel Virginia, a primeira “Bahia”, nasceu em São Paulo e aos 18 anos mudou-se para Salvador atrás do sonho de ser cantora de Axé Music. Assucena Assucena, a outra “Bahia”, nasceu em Vitória da Conquista e ao ingressar no curso de História na Universidade de São Paulo, uma das mais prestigiadas academias do país, viu seu caminho se cruzar com o de Raquel e juntas se aprofundaram nos debates sobre gênero, arte e estética. Na faculdade, ficaram conhecidas pelo mesmo apelido: Bahia. O músico Rafael Acerbi, colega de USP, é o responsável pela guitarra, violão e pela “cozinha mineira” da banda, e deste encontro acadêmico nasceu o power trio que hoje têm dois álbuns lançados (“Mulher” e “Bixa“) em total sintonia com as discussões feministas que dominaram as redes sociais nos últimos tempos.
Interessante ressaltar que boa parte desta transformação da MPB ocorrida nos últimos anos têm relação umbilical com a internet e as redes sociais. Artistas que emergiram após 2010 ganharam espaços nas mídias tradicionais por fazerem barulho nas novas mídias e muitos ainda trocaram os escassos espaços em impressos, rádios e programas de TV por lugares que lhe dão o protagonismo merecido entre os internautas.
Conectada com seu tempo, esta transformação da música popular brasileira resulta de uma resignificação artística e individual. A estética e o discurso político evocados pelos artistas que promovem este novo movimento, o MPBTrans, também são inspirados e influenciados por nomes, hoje reverenciados, que em outrora precisaram se (auto)afirmar como Gal Costa e Caetano Veloso.
Não há dúvidas de que a música é uma das manifestações artísticas mais libertárias. A música popular brasileira, em especial, por sua diversidade e riqueza rítmica sempre permitiu a emergência de artistas que cantam as liberdades individuais, sobretudo quando estas estão ameaçadas. Num momento em que artistas do “quilate” de Chico Buarque são atacados por convicções políticas, é preciso que repensemos em que país queremos viver.
E aqui abro parênteses para dizer que toda e qualquer agressão à pessoa de Chico Buarque é obscena porque, entre tantas coisas, o que ele já deu (e continua a dar) ao Brasil e ao mundo é da ordem do sagrado.
Sendo assim, entoar versos contra o fundamentalismo religioso, a hipocrisia e a conquista dos direitos das mulheres é lutar de forma lírica mas não menos combativa. Que a música popular brasileira nos salve destes tempos difíceis.
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Spoiler: No dia 9 de março de 2018 vai rolar a 6a edição do Festival Faro no Circo Voador. Estou radiante por conseguirmos promover mais uma edição deste festival que é um dos meus orgulhos profissionais. A edição do ano que vem é especialíssima: celebraremos DEZ ANOS no dial. Entre as atrações, Liniker & Os Caramelos já confirmaram presença. Então, bota na agenda e comece a contagem regressiva!