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Por Fabio Szwarcwald, colecionador de arte e gestor cultural
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Itamar Vieira Junior e o empreendimento colonial escravista no Brasil

Maior fenômeno da literatura brasileira na atualidade, escritor baiano fala sobre terra, violência, religião, apagamentos e um passado que nunca enfrentamos

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Atualizado em 4 jul 2023, 16h20 - Publicado em 4 jul 2023, 15h48

A coluna de hoje é uma reafirmação da originalidade das narrativas do maior fenômeno da literatura brasileira na atualidade. O escritor baiano Itamar Vieira Junior – geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia, vencedor dos prêmios Jabuti, Leya e Oceanos – foi convidado pelo projeto Arte nas Estações (sobre o qual já falei aqui) para uma conversa pública em torno das possíveis interseções entre seus romances e as obras da coleção do Museu Internacional de Arte Naïf (Mian), apresentadas pelo projeto em exposições itinerantes por três cidades do interior de Minas Gerais.

A escrita de Itamar é arrebatadora e, pude confirmar, sua fala também. O bate-papo, com as participações de Ana Calline e Ulisses Carrilho, respectivamente educadora do Museu de Congonhas e curador do Arte nas Estações, foi iniciado com uma apresentação do novo livro de Vieira Junior, Salvar o fogo. A história gira em torno de uma comunidade que vive às margens do Rio Paraguaçu, no recôncavo da Bahia, sob a sombra de um mosteiro católico do Século XVII: a religiosidade perpassa a vida das personagens com intensidade e violência.

De acordo com o baiano, a escrita do título recém-lançado está muito ligada ao premiadíssimo Torto arado e igualmente trata da relação de homens e mulheres com a terra. A narrativa é a tentativa do autor de entender, através da literatura, como o território é indissociável da vida humana. E isso é atualíssimo. Itamar cita a importância da terra para as populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas para afirmar que tudo que envolve a condição humana, envolve território.

O escritor conta ter recebido ameaças de morte durante o tempo em que trabalhou como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), lidando com camponeses, indígenas e quilombolas, e atuando por uma divisão mais equânime da terra em favor destas comunidades.

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“Literatura nada mais é do que escrever sobre aquilo que vivemos, pensamos e refletimos sobre o nosso tempo. Meus personagens representam os cidadãos brasileiros”, disse Itamar durante a conversa pública realizada em meio à exposição Sofrência, em cartaz no Museu de Congonhas, Minas Gerais.

Ele seguiu discorrendo sobre a associação entre terra e religião, e sobre como o cristianismo significou o apagamento de tantas histórias, memórias e saberes que existiam no território americano, estigmatizando culturas com seu sistema binário: “O empreendimento colonial e escravista só teve êxito a partir do apoio incondicional da igreja e essas questões atravessam a trama de Salvar o fogo”.

Ele ressaltou também o quanto esse “empreendimento colonial escravista”, implementado durante a fundação do Brasil, ainda reverbera no presente: “Naquele momento, se estabeleceu um ranking de vida e valor que nunca foi desconstruído. E um modo de exploração da terra e das pessoas – muito distante do originário – que permanece até hoje. Portanto, não se pode pensar a violência, os interditos e as vulnerabilidades do presente, sem olhar para o passado do Brasil que nunca enfrentamos de maneira honesta”, afirma. “Para romper com essas engrenagens, que ainda nos movem enquanto sociedade, é preciso compreender esse passado histórico”, completa o escritor.

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Perguntado sobre o título (Salvar o fogo), Itamar relembra o incêndio do Museu Nacional, que foi justamente o mote da primeira exposição que realizamos a partir do acervo do Mian, em maio de 2019. À época, veio à tona a informação de que quase 10% dos museus brasileiros estavam fechados por falta de recursos, como é o caso do próprio Mian, que teve suas atividades encerradas em 2016, no Cosme Velho. Esse foi o disparador para a concepção e realização da coletivaArte Naïf – Nenhum museu a menos”, com curadoria de Ulisses Carrilho, durante a minha gestão na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

A forma como Itamar aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo, num contexto dominado pela sociedade patriarcal, encontrou eco nas obras dos artistas naïf que seguem expostas em Ouro Preto, Congonhas e Lafaiete.

Ao longo da fala desse grande escritor brasileiro, foi interessante notar como suas narrativas partem de um universo íntimo para pensar o social. E como saltam do campo privado para uma crítica à esfera pública. Fez todo sentido que essa conversa acontecesse em uma cidade histórica de forte tradição escravagista. Um encontro afinado das artes plásticas com a literatura, para pensar o passado e o presente de um país que precisa imaginar novas formas de escrever seu futuro.

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Aos que quiserem conferir a íntegra da fala aberta, basta acessar o link do projeto.

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