Expansão estratégica: galerias redesenham o mercado de arte no Brasil
Expansão promove a circulação de narrativas mais diversas ou apenas instrumentaliza novos mercados?

Um movimento silencioso, mas consistente, começa a redesenhar o mapa do circuito de arte brasileiro. Uma recente pesquisa da ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), realizada em parceria com a ApexBrasil no âmbito do projeto Latitude, revela que o número de galerias com filiais no país quase quadruplicou nos últimos anos, subindo de seis para 23. Mais do que números, esse crescimento aponta para um reposicionamento estratégico: as galerias estão deixando de atuar apenas como espaços estáticos de venda para se tornarem plataformas em expansão.
A ArPa – Feira de Arte, realizada na capital paulistana, é um reflexo desse novo momento. Com 29 galerias participantes — das quais nove já atuam em mais de um estado — a feira serve como termômetro de uma cena que passa a valorizar estratégias de articulação territorial. As galerias Almeida & Dale, Nara Roesler e Mendes Wood, por exemplo, tem hoje filiais em diversos estados brasileiros, chegando a operar fora do Brasil.
“Estamos diante de um processo que amplia o alcance e a relevância das galerias brasileiras, tanto dentro quanto fora do país”, afirma Anamaria Boschi, gerente do projeto Latitude. Para ela, a circulação das galerias — seja com novas sedes, seja por meio de parcerias e colaborações — transforma não apenas a lógica de exposição e venda, mas também as relações entre agentes do campo.
De acordo com a pesquisa, a mobilidade apontada não é apenas física, mas também simbólica, operando deslocamentos no eixo Rio-São Paulo e promovendo a circulação de narrativas e práticas curatoriais fora das zonas dominantes. Outro dado relevante do estudo, que ouviu 76 galerias e 45 profissionais do setor, é a crescente profissionalização da cena. Estratégias de diversificação, como colaborações intergalerias e inserção em marketplaces virtuais, apontam para uma tentativa de alcançar sustentabilidade financeira em um mercado ainda marcado por assimetrias. No entanto, o ambiente on-line, embora inevitável, ainda não rivaliza com a experiência física — e afetiva — da visita à galeria.
Mais do que responder a uma lógica mercadológica, a expansão geográfica das galerias pode ser lida como uma forma de descentralizar os discursos e disputar atenção em um país de dimensões continentais. Ao criar filiais e redes em outras regiões, as galerias não devem se limitar a abrir novos mercados, de forma a replicar os modelos dominantes. É importante que contribuam para uma rede de relações e cadeia criativa mais diversas e menos hierarquizadas. Fica a pergunta: essa mobilidade vem contribuindo, de fato, para fortalecer cenas locais ou apenas instrumentalizando novos mercados?
No Brasil, onde as instituições públicas ainda enfrentam desafios estruturais e orçamentários, o papel das galerias hoje extrapola a venda de obras. Elas devem operar como espaços de legitimação, mediação e produção cultural. Nesse sentido, o que está em jogo não é apenas a ampliação de um negócio, mas a reconfiguração das bases sobre as quais se constrói o sistema da arte no país, num momento em que o setor público enfrenta crise crônica de financiamento.
Diante desse contexto, é preciso refletir sobre o papel do capital privado na produção cultural brasilera. A 7ª edição da pesquisa setorial oferece um retrato útil, mas também um convite: pensar quais narrativas, artistas e práticas se movem — ou permanecem imobilizadas — nesse novo desenho. E o que isso significa para o futuro da arte contemporânea no Brasil.