Verdades que precisam ser ditas no Dia Internacional do Autismo
Data é adequada para se relativizar o crescimento de diagnósticos e o excesso de tratamentos
Uma nova estatística divulgada na última semana deixou alerta muitos pais e responsáveis. De acordo com o Centro de Controle de Prevenção e Doenças (CDC), dos Estados Unidos, 1 em cada 36 crianças americanas de oito anos são autistas, o que equivale a 2,8% da população. O número é 22% maior do que o último divulgado, há dois anos. Infelizmente, o Brasil não tem dados populacionais específico sobre a prevalência do autismo, o que leva muita gente a fazer uma correlação de percentual pela população (no Brasil, seriam quase seis milhões de crianças autistas).
Não pretendo duvidar da seriedade do CDC. Ao contrário, trata-se de um órgão fundamental para a saúde. Tampouco me interessa desacreditar todo e qualquer estudo que se debruce sobre a prevalência do autismo, ainda tão pouco contabilizado. Porém, não posso me furtar a levantar alguns questionamentos suscitados pelo estudo.
Particularmente, tenho certas ressalvas à questão do aumento de diagnóstico de autismo. Com frequência, é preciso desfazer o diagnóstico de pacientes que me chegam sob a afirmação de serem autistas, porque existem muitas crianças com diagnósticos diferenciais – que parecem com autismo, mas não são autistas – como crianças com quadro de retardo mental, com atraso de linguagem ou crianças com dificuldade em lidarem com limites – todos com outras questões, menos o autismo. Basta as crianças fugirem um pouco ao comportamento esperado que já recebem o diagnóstico de autismo, o que é bastante reincidente e grave.
Além dos diagnósticos errados, os protocolos recomendados para tratamento são, muitas vezes, absurdos. Impõe-se aos pais um périplo trabalhoso e caro: fonoaudióloga, psicóloga, psicopedagoga, terapia ocupacional e por aí vai. O que vemos são crianças exaustas, verdadeiros “profissionais da terapia”, acumulando, às vezes, quatro ou cinco tratamentos simultaneamente, sem tempo ou disposição para conviver com outras crianças – isso sim algo fundamental para o desenvolvimento, sociabilização e desenvolvimento de linguagem.
Quando comecei a atuar em Psiquiatria Infantil, no começo dos anos 90, os diagnósticos eram feitos de 1 para cada 10 mil pacientes. É evidente que muita coisa avançou de lá pra cá, a começar pelo fato de que os diagnósticos eram feitos apenas a partir de 5 anos de idade e hoje já o fazemos bem mais precocemente, o que colabora significativamente para o aumento desse número. De todo modo, fico ressabiado quando vemos estatísticas como a que circula agora, afirmando que a prevalência em autismo é de 1 para 36 crianças. Tendo a acreditar que esse número se justifica mais por uma avaliação equivocada ou prematura do que um crescimento real.
Outro ponto fundamental a ser abordado é a qualidade da formação dos profissionais que fazem as avaliações, não apenas no Brasil, mas em outros países. Há mais de 20 anos, organizo cursos de atualização em psiquiatria infantil, longas e profundas jornadas que reúnem psiquiatras de todo país em busca de formação com colegas mais experientes, alguns dos melhores especialistas do país. O que mais escutamos destes alunos-colegas é justamente a carência de (in)formação em suas cidades de origem.
Portanto não é um “achismo”, mas uma constatação concreta vinda de quem está na ponta, nos ambulatórios de todo o Brasil, obrigado a trabalhar driblando muitas adversidades. A consequência disso, por óbvio, são avaliações incompletas ou superficiais, partindo apenas de questionários, sem uma avaliação completa e adequada do paciente.
Muito se falará sobre autismo nesta e na próxima semana, tendo em vista o Dia Internacional do Autismo, a ser comemorado no domingo, 02 de abril. O que eu mais espero é que a efeméride sirva não apenas para conscientização de pais, responsáveis e professores, mas também para que se tenha calma para refletir como é feito e a que interesses atende uma profusão desenfreada de diagnósticos de autismo. Pelo bem de nossas crianças e pela credibilidade da nossa profissão junto a quem mais nos importa: os pacientes que precisam de ajuda.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).