Por que a frustração causada pela pandemia é importante para os jovens?
O delicado período foi educativo ao deixar claro que nem sempre as coisas acontecem como queremos – e isso é normal

A vida corria normalmente em março de 2020, quando um vírus minúsculo puxou o freio de mão. Sem aviso prévio, a vida de todos nós foi forçada a parar. Planos precisaram ser refeitos e projetos foram revistos. Os mais jovens pararam de frequentar as escolas, amigos se viam apenas por telas, festas e shows foram cancelados. O convívio social, tão importante nesta fase da vida, estava suspenso. A sensação de frustração foi inevitável. De forma abrupta, crianças e adolescentes tiveram contato com uma das certezas da nossa existência: frustrações fazem parte da vida e são importantes no processo de amadurecimento de qualquer pessoa.
Curiosamente, quem mais deveria preparar os jovens para o sentimento de frustração é justamente quem não mede esforços para poupá-los desse sentimento: os pais. Cabe a eles não ceder imediatamente às vontades dos filhos. Numa sociedade voltada para o consumo como é a nossa, dizer “não” para uma determinada compra – seja pelo valor ou porque não há uma razão específica para que aquele gasto seja feito – é mais que um gesto de amor, é a verdadeira essência da educação. Nossa cultura, que valoriza muito a satisfação imediata dos desejos, às vezes confunde a desvalorização do desejo como desvalorização da criança ou do adolescente.
Já quando se trata das crianças menores, há adultos que ficam especialmente incomodados com birras e choros dos filhos fora de casa. Em geral, o “teatrinho” em lugares públicos acontecem por conta da permissividade excessiva dos pais às vontades dos filhos. Os ataques acabam acontecendo quando os pais dão aos filhos o controle da situação e a criança não é capaz de lidar com toda a autonomia que lhe é conferida. Cada vez que ouvir um “não”, ela agirá da mesma forma, pois sabe que dessa maneira conseguirá o que quer. Os pais não devem sentir culpa ao dizer a uma criança de apenas 2 anos que há coisas que ela não pode fazer e tampouco necessitam pedir desculpas por impor limites.
No entanto, não é o que vemos na prática. Muitas vezes, pais que não tem tanta paciência preferem ceder aos desejos dos filhos a terem que arcar com a manifestação da frustração da criança. É muito mais cômodo fazer as vontades do que impor limites e admitir que a criança está passando por um processo normal de desenvolvimento – que sim, pode ser irritante, mas vai passar. Os pais devem ser firmes e não ceder. A disciplina, portanto, é necessária, mas sem jamais recorrer à violência, obviamente. A agressão física gera mais raiva e medo. E o que os pais devem esperar dos filhos é respeito.
Os últimos meses foram um teste de ferro para nossa capacidade de resiliência diante de tantas frustrações. Se há um lado positivo em tudo isto – e sempre há – é que as crianças e adolescentes testemunharam um momento coletivo de readaptação face às adversidades. Se o momento for bem aproveitado, elas sairão mais fortalecidas e maduras deste processo. E, o mais importante, tendo experimentado na pele o fato de que a frustração é um elemento da vida: nem sempre as coisas acontecem como ou quando desejamos e isso é absolutamente normal.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).