“Meu filho, nosso mundo”: como um filho autista impacta na vida do pai?
Filme mostra um pai que tenta proteger o filho autista de todos os males do mundo
A arte e a cultura, para além do engrandecimento do ser humano, são excelentes ferramentas para ampliar a compreensão de diversos assuntos. Os transtornos mentais não fogem à regra. Quanta gente não aprendeu mais sobre autismo assistindo ao clássico Rain Man, com Dustin Hoffmann e Tom Cruise? Ou ainda sobre depressão e suicídio com séries como “13 Reasons Why”?
Agora, mais uma vez, o autismo é tema de uma obra cinematográfica. “Meu Filho, Nosso Mundo”, do diretor Tony Goldwyn. Na trama, Max Bernal (Bobby Cannavale), um comediante com casamento e carreira falidos, convive com o seu pai, Stan (Robert De Niro) e seu filho de 11 anos, Ezra (William A. Fitzgerald, ator neurodivergente). Max vive em guerra com sua ex-esposa, Jenna (Rose Byrne) sobre a melhor maneira de criar o menino, diagnosticado no espectro autismo.
Cansado de ser forçado a se confrontar com decisões difíceis sobre a educação e o futuro do filho (como a escola ideal para o menino depois de seguidas expulsões de escolas anteriores), Max decide mudar o rumo das coisas e parte com Ezra em uma viagem de carro cruzando os Estados Unidos em busca de um lugar onde eles possam ser felizes. Sem dar spoilers e estragar o prazer de quem vai ver o filme, a atitude acaba gerando um forte impacto em suas vidas e na relação de pai e filho.
O roteiro do filme é assinado por Tony Spiridakis, ele mesmo pai de um menino autista, que se inspirou em sua história para abordar os dilemas envolvendo o protagonista. O autor se debruça sobre um ângulo inusitado a respeito do tema, sob o viés de como age um pai superprotetor, que na tentativa de afastar o filho de sofrimentos, acaba o privando da vida e de permiti-lo viver suas próprias experiências.
Pessoalmente, acho este o ponto mais interessante do filme porque é exatamente isso que testemunhamos diversas vezes em consultório. Sejam crianças diagnosticadas com transtornos ou não, reiteradamente pais desejam, claro, que os filhos não sofram e, nessa tentativa, acabam por impedi-los de viverem fatos que sim, podem trazer sofrimento, mas isso não é de todo ruim, ao contrário. A frustração educa, faz crescer, prepara para a vida. Quem passa por infância e adolescência privado de frustração fica sem repertório para enfrentar os muitos “nãos” que a vida impinge, necessariamente, a todos nós.
No filme, o que Max acredita ser um ato de altruísmo para “salvar” o filho das maldades do mundo é, na verdade, uma amostra de como ele também pode ser egoísta e tem dificuldades em lidar com as próprias questões: a infância problemática ao lado do pai interpretado por De Niro. Mais do que um filme sobre autismo, “Meu Filho, Nosso Mundo” discute as relações entre pais e filhos sem sentimentalismo e com honestidade.
Fabio Barbirato é médico psiquiatra pela UFRJ, membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência e responsável pelo setor de Psiquiatria Infantil da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na PUC-Rio. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).