Meninas e autismo: existe maior incidência no gênero feminino?
Padrão de comportamento das meninas dificulta ou retarda o diagnóstico precoce
Uma pergunta que ouço com frequência é se existem diferenças nos quadros de autismo conforme o gênero do paciente. Embora não haja instrumentos diagnósticos que diferenciem meninos de meninas, é sabido que o autismo se manifesta com singularidades conforme o gênero. Isso ocorre porque existem diferenças neurobiológicas consideráveis na apresentação clínica de meninas e mulheres com autismo. De modo geral, são quadros menos graves, mais leves e sutis, que podem passar desapercebidos por um longo período de tempo, retardando o diagnóstico.
Antigamente, estimava-se que para cada três casos de autismo em pessoas do gênero masculino, haja um caso no gênero feminino. Atualmente, esses números se aproximam cada vez mais, assim como também ocorre em outros transtornos, como o TDAH. Isso acontece porque está clara a percepção de que o cérebro das meninas é, sob o ponto de vista neurobiológico, diferente do cérebro dos meninos. O diagnóstico entre elas ocorre um pouco mais tarde, em idade mais avançada – o que dá a margem para maior diagnóstico de casos entre meninos, na primeira idade.
Meninas com quadro de autismo leve apresentam menos sintomas externos, mais associados diretamente ao transtorno, como inquietude e agressividade, além de comportamentos inadequados. Já um pouco mais velhas, no final da adolescência, algumas comorbidades como depressão, TDAH e ansiedade podem servir de “camuflagem” que dificulta o diagnostico preciso autismo. Já na fase adulta, o Transtorno de Personalidade Borderline é quem acaba por fazer esse papel de “maquiar” o diagnóstico correto em muitas mulheres.
O pragmatismo como traço de personalidade ou de humor pode ser um indício do autismo leve. No entanto, como trata-se de um padrão associado ao gênero feminino, acaba por atrasar o diagnóstico: entende-se como comportamento o que é um sinal de autismo. Nem toda pessoa pragmática é não assertiva ou inadequada socialmente. Já uma jovem com autismo ela pode ser pragmática, mas com inabilidades sociais ou ingenuidade. Ou seja: sintomas mais leves de autismo podem acabar mascarados por estarem associados ao comportamento do gênero feminino.
Por isso, todo profissional que se dedica a tratar adolescentes jovens e adultos tem que ter conhecimento acerca do desenvolvimento do paciente, avaliando se esse comportamento faz parte da vida desde a infância, se ela tem dificuldade de manter relacionamentos e vínculos duradouros, para poder diferenciar se trata-se de um traço de personalidade ou se é um aspecto do espectro autista.
Pais, responsáveis, familiares e professores devem ficar atentos aos sinais mais comuns do autismo: ações repetitivas, atrasos no desenvolvimento, pouca resposta ao contato visual, pouca capacidade de abstração, dificuldade de flexibilizar a rotina, pouca habilidade em lidar com frustração.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).