Jovens e o Enem: o prazer de seguir uma vocação
A alegria genuína de um ofício que se ama é um dos maiores segredos da vida adulta
Acabamos de acompanhar pela imprensa uma geração de jovens que fez as provas do Enem em busca de uma vaga nas universidades. É um período difícil, de mistura de sensações inerentes ao exame: ansiedade e medo face ao desconhecido. Para além das dúvidas acerca da escolha da carreira, é preciso dar conta da expectativa que os pais e toda a família depositam nos adolescentes. Parece pouco, mas não é.
Aos quinze anos já passava pela minha cabeça fazer vestibular (sim, na época ainda era chamado de vestibular…) para Medicina e me especializar em Psiquiatria. Eu era um interessado pelo assunto, talvez por ser ansioso e já ter lido sobre o assunto.
À época, alguns amigos chegaram a pedir para que eu interpretasse os sonhos deles. Lógico que não tinha capacidade para isso! E hoje sei que a questão proposta por Freud é muito mais complexa do que eu poderia imaginar na adolescência. Em dado momento, até considerei a hipótese de prestar vestibular para Psicologia ou Comunicação Social (eu era fã das campanhas criadas pelo publicitário Washington Olivetto!).
Porém, rapidamente vi que não era nada disso e que iria mesmo estudar Psiquiatra. Me informando sobre o trabalho de Freud, eu ficava impressionado com a capacidade de entender o ser humano através da observação, sem exames mais refinados. Curiosamente, ainda é o método que adotamos até hoje. Um psiquiatra bem preparado não pede exames de imagem ou outro semelhante para dar um diagnóstico psiquiátrico (salvo a condição de haver alterações anatômicas, mas isso é outra história…)
Já no meio da faculdade, conheci um dos grandes psiquiatras da infância e adolescência da Argentina, Alberto Labriola. Professor da Universidade de Rosário, ele me apresentou, pela primeira vez, à Psiquiatria voltada para o atendimento de crianças. Dali em diante, tive certeza do que faria o resto da vida.
Passei para o Instituto de Psiquiatria da UFRJ e lá tentava atender pacientes mais jovens. Porém, muitas vezes isso não era possível e atendia adultos. No final das contas, foi ótimo que tenha sido assim por um tempo, porque me deu enorme aprendizado na área.
Ainda na UFRJ, segui o Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência e foi uma grande experiência. Em paralelo, servia como médico no Exército. Quando souberam o que eu gostava e estudava em Medicina, tive a liberdade para atender crianças na Policlínica do Exército, em Realengo.
Foram anos frequentando congressos e cursos nos EUA e Europa, até ser chamado para montar o Ambulatório de Psiquiatria da Infância e Adolescência na Santa Casa. Em mais de 20 anos, foram milhares de crianças atendidas de forma gratuita por um time de profissionais da melhor qualidade. Toda essa experiência está compartilhada em dois livros: “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu e outras histórias reais”. Essa profissão me deu tudo: uma carreira, amigos, uma esposa, uma família e uma enorme alegria: saber que estamos interferindo em rotas de sofrimento dos pequenos me estimula a seguir em frente.
Aos jovens que acabam de prestar o Enem, meus votos de sucesso na profissão escolhida. A alegria genuína de um ofício que se ama é um dos maiores segredos da vida adulta.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).