Inclusão de crianças com autismo: por que ela não acontece na prática?
Determinação da lei não dá conta de atender a pluralidade de casos de autismo

Há alguns anos, lancei o livro “O menino que nunca sorriu e outras histórias”, junto com Gabriela Dias. A obra se dedica a destrinchar, de maneira emocionante e esperançosa, o dia a dia das crianças e jovens atendidos no Ambulatório da Santa Casa, no Rio. De vez em quando, alguém comenta a respeito de um capítulo que até hoje toca as pessoas: aquele em que abordamos a inclusão (ou a falta dela…) das crianças com autismo e outros transtornos. De acordo com o Censo Escolar de 2023, há 636.202 estudantes autistas no Brasil, sendo que 95,4% estão matriculados nas escolas em classes comuns. Trata-se de um enorme, para a sociedade e para as escolas.
Quanto as instituições de ensino, elas precisam colocar em prática o que leis bem intencionadas decidem, mas sem oferecer nenhuma condição às instituições de ensino. Soma-se a isso o fato de que uma criança não apresenta o autismo igual a outra: há aqueles com autismo leve, há outros que sequer falam ou apresentam síndromes combinadas com o autismo. É um universo muito amplo.
Nem todas as escolas contam com os facilitadores, muitos professores não são treinados para lidar com o tema, os coleguinhas em sala, sem falar no próprio aluno. O poder público até tem se esforçado. Até 2026, serão oferecidas mais de um milhão de vagas em curso de aperfeiçoamento no tema para professores.
Num país onde três entre 10 cada brasileiros é analfabeto funcional, dar conta da inclusão de autistas no sistema de ensino é uma luta contra o tempo inglória. O atraso no país é enorme, proporcional ao tamanho do desafio imposto.
No entanto, o tempo de aprendizado de uma criança autista é um, diferente do de outra criança. Resultado: volta e meio escuto queixas dos pais nos consultórios, a respeito da dificuldade de colocar os filhos em processo de educação formal.
A lei de inclusão de autistas no sistema de ensino é, sem dúvida, importante. Antes de mais nada, é um gesto de cidadania, para as crianças e jovens, mas também para seus pais. Porém, é preciso reconhecer a dificuldade da medida e encarar de frente a melhor maneira de sanar os muitos entraves que se interpõe no caminho de transformar uma lei em realidade.
Se a situação é difícil nas escolas, ela se torna ainda mais complexa na sociedade. Diante de tantas demandas de inclusão – por gênero, etnia, renda, classe social, religião –, a que visa os autistas parece se tornar menos prioritária. Trata-se de um erro. Ela é primordial para a promoção de uma sociedade mais igualitária e justa.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).