Existe uma epidemia de autismo?
Pesquisadora de universidade americana se debruça sobre números paras entender o que explicaria o aumento de casos

É verdade que o número de diagnósticos de autismo cresceu consideravelmente nos últimos 20 anos. Mas o que justifica isso? A doutora Christine Ladd-Acosta, vice-diretora do Centro Wendy Klag para Autismo e Deficiências do Desenvolvimento, nos Estados Unidos, se debruçou a estudar o tema. Sua pesquisa foi publicada pela John Hopkins University, uma das instituições americanas de maior prestígio.
Segundo ela, os diagnósticos de autismo aumentaram cerca de 300% nas últimas duas décadas. O relatório mais recente do CDC indica que 1 em cada 31 crianças de 8 anos foi identificada com autismo nos centros do ADDM. No Estado de Maryland, esse número foi de 1 em cada 38 crianças.
Outro ponto importante é a diversificação do perfil dos diagnósticos. No passado, acreditava-se que o autismo afetava majoritariamente meninos brancos. Hoje, os dados mostram que há mais crianças negras e asiáticas sendo diagnosticadas, além de uma parcela significativa de meninas — mais de 1% das meninas de 8 anos foram identificadas com Transtorno do Espectro Autista.
Aumento de quase 300% ao longo de 20 anos parece muito — e é. Mas ao observar intervalos menores, o crescimento fica entre 10% a 20% a cada dois anos. Segundo a pesquisadora, dois fatores principais explicam essa tendência. O primeiro é a expansão dos critérios diagnósticos. O conceito de Transtorno do Espectro Autista passou a incluir perfis mais diversos, o que naturalmente aumentou o número de pessoas que se enquadram no diagnóstico.
Outro ponto significativo é o aumento da capacidade de rastreamento e conscientização. É considerável o incremento de diagnóstico precoce em consultas pediátricas, entre 18 e 24 meses de idade. Além disso, famílias, profissionais de saúde, além da própria sociedade, estão mais atentos aos sinais. E, felizmente, menos resistentes a buscar ajuda especializada.
Muitos pais e leigos nos perguntam, com curiosidade genuína, se há algo novo que estaria provocando um aumento real nos casos de autismo. No entanto, não há nenhum indício que isso seja verdade, como confirma a própria pesquisa da John Hopkins University.
Estudos recentes analisaram um subgrupo específico de pessoas com Transtorno do Espectro Autista que têm necessidades intensivas de apoio, comunicação verbal bastante limitada e deficiência intelectual associada. Para esse grupo, os índices praticamente não mudaram nos últimos 10 anos.
O maior aumento foi observado entre indivíduos com características que a especialista americana denomina como “mais sutis”, ou seja, que antes passavam despercebidas, mas que hoje são mais facilmente reconhecidas pelos profissionais de saúde.
Portanto, a ideia de uma epidemia de autismo está totalmente descartada. “A palavra epidemia sugere um aumento rápido e abrupto em um número grande de pessoas”, explica Ladd-Acosta. “Isso não é o que estamos vendo com o autismo. O que observamos é uma elevação gradual ao longo de duas décadas, impulsionada por mudanças nos critérios, rastreamento mais eficaz e maior consciência social.”
Para ela, o foco deve estar em garantir acesso a serviços, terapias e apoio às pessoas com autismo — permitindo que vivam com saúde, dignidade e alcancem todo o seu potencial. E no Brasil a nossa expectativa não é diferente. Diagnosticar e atender autistas com dignidade é um exercício de cidadania.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).