Estupro virtual: o perigo da exposição de jovens diante das câmeras
Novela de Gloria Perez acerta ao mostrar os riscos implícitos à exposição nas redes
Os personagens da novela “Travessia”, da TV Globo, foram atravessados nos últimos meses por problemas contemporâneos. Como é do seu feitio, a autora Gloria Perez levou inquietações da sociedade para os lares brasileiros. Assim, foram abordados temas como metaverso e dependência em games, questões que estão na pauta do dia.
A autora conseguiu abordar ainda um assunto que me parece cada vez mais urgente: a relação de crianças e jovens com as telas e redes sociais. Na trama, Karina (Danielle Olímpia) passa a ser ameaçada por um pedófilo (Claudio Tovar), que a vinha enganando ao se apresentar virtualmente como a influenciadora Bruna Schuller.
Ao descobrir a farsa, o pedófilo passa a ameaçar a moça: ele vazaria as fotos que tem dela para todos na escola onde estuda, caso ela não continue a se despir para ele diante das câmeras. Sentindo-se sem saída, a adolescente cede às chantagens e entra em quadro depressivo.
Infelizmente, a triste história não é coisa de novela e acontece com mais frequência do que se supõe. A divulgação de fotos íntimas ocupa o sexto lugar no ranking de crimes cibernéticos mais recorrentes no Brasil. Os jovens estão entre as principais vítimas deste crime. Nativos digitais, a internet e as redes sociais são duas das formas mais comuns com que eles se relacionam com o mundo. Expor-se (e receber exposição alheia), é comportamento corrente entre eles.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) faz suas recomendações a respeito do tempo que as crianças devem ser expostas a telas, de acordo com cada faixa etária: até uma hora por dia para crianças com idade entre 2 e 5 anos, e até duas horas para crianças com idade entre 6 e 10 anos. Já para os adolescentes, com idades entre 11 e 18 anos, a indicação é de, no máximo, 3 horas por dia.
É importante salientar que as redes e a internet oferecem uma infinidade de ricos conteúdos audiovisuais, como séries, programas e filmes, que podem ser mais do que um passatempo e adquirirem caráter educacional. O ambiente online é um traço da cultura do nosso tempo. Lutar contra a presença dos menores nas redes parece, portanto, uma batalha perdida. Se não fossem o suporte das telas, as crianças e os jovens teriam sofrido ainda mais durante os meses da pandemia.
No entanto, pais e responsáveis precisam estar atentos, mais do que nunca, à frequência com que os filhos ficam online e ao conteúdo que que eles navegam. Essa s orientação é fundamental. Além disso, advogados e autoridades ligadas a crimes sexuais online frequentemente reiteram o cuidado necessário com a exposição das crianças por parte dos próprios pais. Um adulto que posta nas redes, por exemplo, a filha fazendo uma dança do Tik Tok de biquíni, não vê maldade no gesto, claro. Mas a partir daquele momento, a imagem da criança foge ao seu controle e pode cair no submundo da deep web e de páginas de pedofilia.
Como tudo que tange a educação de crianças e jovens, cabe aos pais o cuidado e a supervisão.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).