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Fábio Barbirato

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Psiquiatra infantil
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Enchente no RS: é possível conviver com tragédias sem se abalar?

Empatia pelos momentos difíceis atravessados por outras pessoas pode comprometer o sistema emocional

Por Fabio Barbirato
16 Maio 2024, 19h49

Desde que começaram as terríveis enchentes no Rio Grande do Sul, tenho escutado, em diferentes círculos, uma sensação de cansaço e até esgotamento face à dor por que passa o povo gaúcho. As imagens dos desabrigados, das casas que viraram ruínas, dos animais à deriva, das crianças desamparadas, tudo é capaz de abalar consideravelmente o emocional de quem está distante da tragédia. É como se o aparentemente infindável sofrimento alheio também fosse um pouco nosso.

Antes de mais nada, convém dizer que a capacidade de ter empatia pelos outros é mais que sinal de humanidade, é também sinal de saúde. Ela é um dos fatores que nos permitem conviver em sociedade de forma civilizada. Estranho seria testemunhar imagens tão desoladoras como a que estamos vendo sem se abalar (é justamente a falta de empatia um dos principais sintomas de uma personalidade antissocial).

No entanto, é sutil a fronteira que separa a preocupação natural com terceiros do excessivo sofrimento. O ato de colocar-se no lugar dos outros impõe um certo limite. A psicologia diferencia dois tipos de empatia: a excessiva e a empatia afetiva, quando o gesto de se colocar no lugar do outro ocorre de forma acolhedora e saudável, sem uma espécie de “efeito esponja”, com a somatização de questões que sequer são suas. Quem tem empatia demais, provavelmente, sofre de ansiedade.

Um detalhe importante deste tipo de postura de empatia excessiva é que a pessoa deixa de sofrer por suas próprias questões para se dedicar exclusivamente às dos outros, empurrando para debaixo do tapete as questões que deveria estar enfrentando.

Entre crianças e adolescentes, por exemplo, um dos sinais mais importantes de ansiedade é o medo da chuva, o temor de que uma simples queda d’água possa virar um temporal, que a inundação a impeça de sair ou ver os pais ou que eles fiquem presos em algum lugar. Vira uma bola de neve: um chuvisco serve de gatilho para crise de ansiedade. A tragédia no Rio Grande do Sul é enorme, mas não significa que acontecerá toda vez que gotejar do céu; depende de um monte de fatores variáveis para que isso ocorra (quantidade de chuva, topografia do local, prevenção por parte das autoridades, entre outros fatores).

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Alguém com ansiedade pode apresentar um excesso de empatia, uma espécie de pensamento catastrófico que o paralisa e, como consequência, gera sofrimento. Viver pensando no futuro – o próprio ou o do outro – não é saudável e pode acabar atrapalhando o desenvolvimento de crianças e adolescentes na escola, pois prejudica a sociabilidade e a capacidade de atenção, fundamentais nesta etapa da vida, apenas por medo de tomar iniciativas.

Ter empatia não significa se apagar ou se paralisar. Ao contrário, é a habilidade de se colocar no lugar do outro, sentir o sofrimento do outro e agir. Abandonar a zona de conforto e tomar atitudes proativas. E isso serve tanto para uma tragédia, como a que acaba de acontecer no Rio Grande do Sul, quanto para alguém que está sofrendo bullying na escola. No caso das enchentes gaúchas, engajar-se em campanhas de doação, recolher mantimentos, dedicar-se a atividades que tragam algum tipo de benefício a quem precisa pode fazer com que essas pessoas se sintam mais confortáveis: a empatia aplicada de forma saudável e colaborativa.

Em voos de avião, os comissários sempre orientam, antes da decolagem, que em caso de despressurização, os passageiros acomodem as máscaras primeiro em si mesmo e só depois em quem está ao lado. A instrução tem lógica pois se esta ordem for invertida, há chances de o passageiro desmaiar, sem conseguir ajudar o outro ou a si mesmo. A regra também vale para a vida: apenas estando saudável é possível apoiar alguém em sofrimento.

Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).

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