Como lidar com o luto das crianças?
Filho da cantora Marília Mendonça, de um ano e dez meses, se junta às mais de 150 mil crianças e jovens que ficaram órfãs nos últimos dois anos
Hoje completa uma semana da tragédia com o avião que vitimou a cantora Marília Mendonça. A comoção nacional dá a medida da importância que a artista tinha não apenas para seus fãs, mas como uma figura nova e com muita personalidade, que ocupou um espaço até então dominado por homens. Marília deixou órfão o pequeno filho, de apenas um ano e dez meses. Ele junta-se à triste estatística de órfãos de pais mortos pela Covid-19. Segundo a Arpen Brasil, mais de 12 mil crianças de até seis anos perderam os pais para a doença, de março de 2020 a setembro de 2021. A revista científica Lancet afirma que, no mundo, são mais de 150 mil órfão até 17 anos. Aos parentes e responsáveis que passam a se encarregar dos cuidados com essas crianças, cabe aprender a lidar com o luto deles.
O entendimento do conceito da morte muda à medida em que a criança vai crescendo. Até os quatro anos de idade, eles tem uma ideia limitada do que é a morte como uma ideia abstrata. De modo geral, o tema não tem a capacidade de gerar qualquer emoção especial sobre eles. A partir dos seis anos, a percepção infantil acerca do assunto já é mais concreta. Aos oito anos, há um amadurecimento sobre a morte e a criança passa a ser capaz de entender e aceitar que todo mundo vai morrer um dia, incluindo ela mesma.
No entanto, tudo muda quando a perda é do pai ou da mãe. São figuras centrais e fundadoras de quem somos. Imaginar que o filho da cantora, que já convivia com a mãe há quase dois anos, não irá perceber ou sentir sua falta é uma falácia. Portanto, deve ser permitido à criança viver o luto, independente da idade. Cada um tem a capacidade de lidar com a falta de uma forma diferente e no seu próprio tempo. Viver o luto possibilitará à criança elaborar a perda e se organizar mentalmente para seguir adiante.
É normal que as crianças façam perguntas diante da falta do pai ou da mãe, que queiram saber onde eles estão e por quê não voltam para casa. O diálogo claro, atendendo ao bom senso do limite das respostas, é fundamental. Os adultos não devem se esforçar para escamotear a dor que estão sentindo. É a vivência do luto que possibilita que a dor da perda seja curada e se transforme apenas em saudade. Tentar esconder a tristeza da criança é como sinalizar que há algo de errado com aquele sentimento, o que não é verdade.
É importante que se respeite o tempo da criança. Falar sobre o ente perdido, valorizado sua existência, contando histórias sobre a pessoa, ajuda a criar ou manter a imagem positiva sobre o pai ou a mãe que partiu. É uma forma saudável de perenizar a vida do parente que se foi e ajuda a elaborar o luto de maneira concreta, natural e suportável.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).